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Logo da criadora Daniela Mendes

Vozes pela serra do Lenheiro

Audiência pública propiciou um retrato positivo do ambientalismo na região e revelou desafios profundos em São João del-Rei.


Visão geral do auditório do Campus Santo Antônio
Audiência Pública para transformar a Serra do Lenheiro em um Monumento Natural, Mona/ Foto: Daniela Mendes

O deputado estadual Cristiano Silveira trouxe, nesta sexta-feira, 31, uma audiência pública a São João del-Rei para discutir a criação da unidade de conservação da Serra do Lenheiro. O encontro aconteceu no anfiteatro do campus Santo Antônio da UFSJ e teve como objetivo debater o Projeto de Lei nº 2080/2024, de autoria do parlamentar, que propõe transformar a área em um Monumento Natural, Mona.


Deputado Cristuano Silveira/ Foto Daniela Mendes
Deputado Cristiano Silveira

O projeto visa garantir a preservação e o manejo de um dos principais patrimônios naturais e históricos do município, reconhecido por sua beleza cênica, relevância geológica, biodiversidade e valor histórico cultural.


O anfiteatro foi todo ornamentado com faixas e cartazes mostrando que o ativismo ambiental na cidade está atento e muito bem fundamentado.


No final, a audiência foi um grande encontro de iniciativas que se desenvolvem há anos. Algumas, inclusive, por iniciativa da população sem nenhum vínculo institucional. Contudo, também revelaram um quadro complexo que dá a grande dimensão desta tarefa.


Entenda o Mona


Como uma categoria de unidade de conservação prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), o Mona protege áreas que possuam formações naturais raras, singulares ou de grande beleza, permitindo o uso público e o turismo sustentável, desde que respeitadas as regras de conservação.


Para que uma área seja transformada em Mona, é necessário um conjunto de estudos técnicos e consultas públicas com a população local e instituições envolvidas. E esta audiência pública foi uma delas. Após essas etapas, o projeto é analisado e aprovado por lei, estabelecendo os limites, objetivos e diretrizes da nova unidade.


Visão geral do anfiteatro do Campus Santo Antônio./ Foto: Daniela Mendes
Visão geral do anfiteatro do Campus Santo Antônio./ Foto: Daniela Mendes

Durante a audiência, representantes do poder público, da universidade, de entidades ambientais, do exército e da comunidade local apresentaram contribuições e reclamações em relação à atual situação ambiental de São João del-Rei e deram sugestões para o projeto.


Corpo mole político


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Durante a audiência, Edmilson Sales, morador e voluntário histórico nas ações de preservação da Serra do Lenheiro, fez um apelo por mais agilidade e compromisso do poder público. Ele lembrou que a área já é reconhecida como parque natural desde o Decreto Municipal nº 6.796, de 2006, e que há anos existem estudos sobre hidrologia, flora e fauna, além de inventários culturais, como o processo de tombamento dos muros de pedra pela UNESCO.


Uma tentativa de tombamento federal em 2023 produziu um dossiê completo de todos os achados da Serra do Lenheiro, segundo Sales. Só de muro de pedra são mais de 50. Também já foram identificadas espécies vegetais, nascentes, estruturas geológicas e fragmentos de ferramentas e objetos que podem ter sido usados pelos índios que habitavam a região antes dos colonizadores chegarem.


Para ele, o maior entrave é a ausência do plano de manejo, cobrado pelo Ministério Público desde 2016, e a falta de apoio institucional para consolidar a proteção da serra. “Está tudo mastigado, só falta atitude do poder público para transformar o decreto em lei e garantir a preservação efetiva do parque”, afirmou.


Edmilson ponderou ainda que o processo de criação do Monumento Natural da Serra do Lenheiro pode levar muitos anos e defendeu, como medida mais imediata, aperfeiçoar a legislação municipal já existente.


O desmonte do governo Zema.


Foto: Luiz Cruz
Foto: Luiz Cruz

Durante a audiência, Luiz Cruz, ambientalista e um dos pioneiros do movimento ecológico na região, relembrou o início das mobilizações pela preservação das serras do Lenheiro e de São José, ainda na década de 1980.


Cruz destacou o papel das universidades, dos institutos e dos voluntários na defesa das áreas naturais e criticou a demora do poder público em transformar os estudos já existentes em ações efetivas. “O que falta é vontade política. Não podemos mais postergar a proteção da Serra do Lenheiro”, afirmou.


"Coletinhos verdes" na audiência pública. Foto: Daniela Mendes
"Coletinhos verdes" na audiência pública. Foto: Daniela Mendes

Ele também alertou para a greve dos servidores do meio ambiente em Minas Gerais, que já dura mais de dois meses, e apontou um cenário de “desmonte das políticas ambientais” no Estado. Sua fala acabou introduzindo a de Fabíola Resende Rodrigues, representante do Sindicato dos Servidores do Meio Ambiente (Sindsema).


A servidora reforçou que a criação de novas unidades de conservação deve vir acompanhada de estrutura e valorização dos profissionais responsáveis pela gestão. Lembrou que o Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) sofre com déficit de pessoal com mais de dez anos sem concurso público, o que compromete a fiscalização e o manejo das áreas protegidas. “É preciso garantir gestão efetiva. Sem servidores, não há conservação”, disse.


Fabíola também mencionou a Operação Rejeito (clique e leia sobre abaixo), deflagrada pela Polícia Federal em setembro, que investiga um esquema de corrupção ligado à liberação irregular de licenças de mineração em Minas Gerais.


Para ela, o caso é um exemplo de como a falta de servidores efetivos e de mecanismos de controle abre brechas para práticas ilícitas. “Muitos desses casos só vêm à tona graças ao trabalho dos servidores concursados, os chamados ‘coletinhos verdes’. Sem eles, o sistema fica vulnerável”, afirmou.


A servidora ressaltou ainda que o Estado carece de instrumentos de fiscalização e gestão para acompanhar o crescimento da atividade minerária, especialmente em regiões sensíveis como a Serra do Lenheiro. “Criar uma unidade de conservação sem garantir sua estrutura é apenas uma formalidade. É preciso dotar o órgão ambiental de condições reais de trabalho para que a proteção saia do papel”, concluiu.


Mineradoras e reatividade do Exército


O ex-minerador e ambientalista Denis Abreu, da Reserva Natural da Cachoeira do Cala Boca, chamou atenção para o avanço das atividades minerárias nas imediações da Serra do Lenheiro. Segundo ele, há registros ativos na Agência Nacional de Mineração (ANM) e indícios de pesquisas minerais recentes, o que representa risco à integridade ambiental da área. “A Serra está toda mapeada por mineradoras”, alertou.


Valdeir na tribuna da audiência pública./ Foto: Daniela Mendes
Valdeir na tribuna da audiência pública./ Foto: Daniela Mendes

O tema da ausência do Exército em ações de combate a incêndios também surgiu durante o debate. Valdeir Leite, morador do povoado do Fé, relatou que a instituição, apesar de utilizar a Serra para treinamentos, não tem participado das mobilizações contra o fogo que atinge a região em períodos secos.


Ele pediu que o comando militar assuma papel mais ativo em situações de emergência ambiental. “Quando há incêndio, a população sobe a serra com abafadores. Esperamos uma participação mais efetiva”, cobrou. Na plateia, o público também denunciou a má conduta da unidade, que prejudica a vegetação ao quebrar e arrancar árvores além de deixar lixo na área.


O coronel assessor da Brigada de Montanha, André Ricardo explicou que a atuação da corporação em casos de desastres é feita por meio de operações de apoio à Defesa Civil, dentro das chamadas “ações subsidiárias”. Ele reforçou a palavra “apoio” e citou como exemplos recentes de mobilização militar às enchentes no Rio Grande do Sul, os deslizamentos em Petrópolis e o rompimento da barragem em Brumadinho.


Já em relação ao incêndio na Serra do Lenheiro, afirmou que havia um pelotão de prontidão em Juiz de Fora, mas que, segundo informações do Corpo de Bombeiros de São João del-Rei, os meios disponíveis do Exército não seriam adequados para o combate ao fogo naquela ocasião. Ele ressaltou, contudo, que as cobranças serão levadas ao comando da brigada.


Especulação imobiliária e racismo ambiental.


A professora Adriana Nascimento de Arquitetura e Urbanismo. Foto: Daniela Mendes
A professora Adriana Nascimento de Arquitetura e Urbanismo. Foto: Daniela Mendes

O educador ambiental, Samuel Ribeiro destacou a importância de preservar a Serra do Lenheiro como parte de um mosaico ecológico que se estende do distrito de Rio das Mortes ao Bengo, incluindo o acesso à Serra de São José.


Segundo ele, o ecossistema é contínuo e abriga espécies como a onça suçuarana e diversas aves dispersoras de sementes, o que é essencial para manter sua funcionalidade ecológica da mata atlântica.


Ribeiro alertou também para o risco de ocupações urbanas irregulares sobre a serra, ressaltando que loteamentos pré-existentes foram aprovados antes do tombamento da área. Ele defendeu que haja normas claras de uso do solo, que permitam a expansão urbana organizada, sem comprometer a preservação ambiental nem a qualidade de vida rural. “Os produtores e moradores locais não querem ver mudanças drásticas; desejam manter o caráter rural e a convivência harmoniosa com a natureza”, afirmou.


Sua fala foi complementada pela a da professora de arquitetura e urbanismo da UFSJ, Adriana Nascimento. Ela reforçou a necessidade de se pensar corredores ecológicos e áreas de abastecimento em São João del Rei. Citou experiências de outras cidades, como Jundiaí (SP), onde a aprovação de novos empreendimentos imobiliários foi suspensa por dois anos até a implementação de um plano de manejo urbano.


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Em São João del Rei, segundo a professora, a situação é preocupante: uma série de empreendimentos imobiliários tem sido aprovados mesmo com a população enfrentando problemas de abastecimento de água e ausência de saneamento básico, com impactos ambientais ainda pouco avaliados. “Edifícios gigantescos são construídos consumindo recursos hídricos sem planejamento, enquanto bairros inteiros ficam semanas sem água”, destacou.


Adriana alertou ainda para a dimensão social do problema. As populações mais empobrecidas da cidade, predominantemente negras, vivem nas áreas periféricas e sofrem com a falta de infraestrutura e regularização fundiária adequada. Segundo ela, é preciso avaliar impactos ambientais e socioeconômicos antes de aprovar novos empreendimentos, garantindo assistência técnica e qualidade de moradia.


Concluiu destacando a complexidade da gestão territorial e a necessidade de ação coordenada entre governos municipal, estadual e federal. “São questões que demandam esforços múltiplos, mas podemos avançar com planejamento e diálogo”, afirmou.


A aliança com a agricultura familiar


O morador do bairro Senhor dos Montes, Jair Antônio, relatou a experiência da comunidade na preservação da Serra do Lenheiro, destacando a importância do envolvimento local. Segundo ele, há cerca de dez anos, a comunidade começou a se engajar na proteção da serra graças à atuação de ativistas.


Antes, segundo ele, a região sofria com descarte irregular de lixo, sofás, restos de animais e outros materiais, mas a atuação desses ambientalistas passou a conscientizar os vizinhos sobre a necessidade de preservação.


Jair destacou que a proteção da Serra do Lenheiro exige ação prática e contínua. “A comunidade precisa de apoio, municipal, estadual e federal, para fortalecer as equipes que atuam no combate a incêndios e manutenção do patrimônio natural”, afirmou.


Ele contou que participa ativamente da vigilância da serra, percorrendo áreas como as Águas Gerais, e que a comunicação entre os moradores é constante para alertar sobre focos de incêndio. O morador reforçou ainda a importância de parcerias para plantar mudas e recuperar a biodiversidade local, lembrando a recente observação de espécies como o tatu-mirim.


Carolina na tribuna da audiência pública. Foto: Daniela Mendes
Carolina na tribuna da audiência pública. Foto: Daniela Mendes

Em seguida, a médica veterinária Carolina Chagas, que também é produtora rural na região, compartilhou a experiência de desenvolver turismo rural sustentável em sua propriedade, destacando a necessidade de assistência técnica para os produtores.


Ela explicou que, embora a região tenha sido historicamente esquecida, iniciativas de turismo e manejo sustentável podem conciliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico. “Antes de multar ou julgar o produtor, é preciso oferecer orientação e apoio técnico, levando conhecimento e oportunidades, não apenas penalidades”, afirmou.


Carolina também mencionou o potencial turístico da Serra do Lenheiro, citando a visita recente de um casal de turistas franceses que preferiu conhecer a serra a destinos tradicionais do litoral, reforçando a relevância da região como patrimônio natural e oportunidade de geração de renda.


Apenas o começo


A audiência pública mostrou que a Serra do Lenheiro é muito mais que um cartão-postal: é um símbolo da disputa entre o avanço urbano, o descaso político e a resistência comunitária. Entre ambientalistas, pesquisadores e produtores rurais, formou-se um consenso de que a preservação depende menos de título e mais da união entre gestão pública e sociedade civil. Junto com o Mona, o desafio agora é transformar uma legislação em ação permanente para que a serra continue existindo além dos discursos e supere as contradições da ideia de progresso.


***Operação Rejeito


A Polícia Federal deflagrou, no dia 17 de setembro de 2025, a Operação Rejeito, com o objetivo de desarticular uma organização criminosa responsável por um amplo esquema de extração mineral irregular, licenciamento ambiental fraudulento, lavagem de dinheiro e corrupção. A ação contou com o apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério Público Federal (MPF) e da Receita Federal.


De acordo com a PF, o grupo atuava principalmente em Minas Gerais, com ramificações em órgãos públicos e empresas privadas ligadas ao setor mineral. As operações de busca e apreensão se concentraram na Região Metropolitana de Belo Horizonte, além de Ouro Preto e outras áreas de proteção ambiental e patrimônio histórico.


Entre os principais alvos estão empresários e agentes públicos. O empresário Alan Cavalcante do Nascimento foi apontado como líder da organização, ao lado do ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages e de Helder Adriano de Freitas, diretor operacional de uma das empresas envolvidas.



Também há servidores e ex-servidores de alto escalão de órgãos como a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF).


A Justiça determinou o bloqueio de cerca de R$ 1,5 bilhão em bens e ativos ligados aos investigados. Segundo as investigações, os projetos minerários irregulares movimentaram cifras expressivas, com potencial econômico estimado em R$ 18 bilhões e lucros projetados de até R$ 9,5 bilhões.


A operação é um desdobramento da chamada “Operação Poeira Vermelha”, deflagrada em anos anteriores e que já havia identificado indícios de favorecimento ilegal no setor. Nesta nova fase, foram cumpridos 79 mandados de busca e apreensão e pelo menos 22 mandados de prisão preventiva.


Entre os desdobramentos imediatos, estão a prisão de servidores e ex-dirigentes de órgãos ambientais e a exoneração de funcionários públicos implicados nos esquemas pelo governo de Minas Gerais.


Na esfera política, a repercussão foi intensa. Parlamentares da oposição na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) cobraram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades nos processos de licenciamento ambiental no estado.


As investigações continuam e, segundo a Polícia Federal, novas fases da operação não estão descartadas. O caso reforça a preocupação com o uso indevido de licenças ambientais e com o impacto da mineração ilegal em áreas de proteção, um problema histórico e de grande relevância em Minas Gerais.

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