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Unidas contra a violência

Tiradentes e São João del-Rei integram Movimento Nacional Mulheres Vivas e expõem a ferida aberta do feminicídio na região.

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O ano era 2021 e a microempresária de Tiradentes, Jeniquelly Mappa, enfrentava havia 20 dias o luto pela morte da mãe, vítima de um infarto causado por complicações no pulmão. Ela, única mulher entre cinco irmãos homens, foi incumbida de lidar sozinha dos últimos dias, em Barbacena, daquela que amava tanto.


Além da dor dos trâmites funerários, que também precisou resolver sem ajuda, naquela véspera de Natal, já difícil por si só, recebeu por telefone um comunicado perturbador: A inquilina, Iara Nataly Silveira, 27 anos, havia sido assassinada.


Hoje, quatro anos depois, no grupo do Movimento Nacional Mulheres Vivas em Tiradentes, ela relembrou com sofrimento aquele período. “Na hora, eu não tive força nenhuma pra ir lá. Fazia menos de um mês que eu havia entrado num necrotério. Eu fragilizei, né? Bastante! E só depois de um tempo eu fui lá abrir a casa pra dar um suporte pra Leonor, mãe dela, buscar as coisas da filha que ficaram”, recordou.


As mulheres assassinadas deixam dores também nas que ficam. E a violência de um homem ameaça a integridade de todas. E assim, naquele grupo de Whatsapp, lembranças começaram a ser compartilhadas por várias participantes que, em paralelo, organizavam uma manifestação na cidade. Outra integrante do grupo lembrou do sangue do cachorro de Iara, que demorou a sair do pelo. Enquanto teve quem lembrasse de alguma parente.


Se na época, o crime de Iara, chocou Tiradentes e provocou mobilização pela criação de uma Casa de Passagem e de uma política municipal para proteger mulheres da violência de gênero, relembrá-lo evidenciou agora as promessas da prefeitura anterior que não deram em nada e a falta total de propostas para mulheres na cidade da administração atual.


Coletivar


A empresária e psicóloga Yane Cerqueira não morava ainda em Tiradentes quando Iara foi assassinada. Mas há alguns dias, quando uma amiga perguntou numa mensagem sobre as movimentações contra a epidemia de feminicídio, ela sentiu necessidade de “puxar” o movimento local. E assim, de forma espontânea, as mulheres foram se organizando mesmo com o grupo feminista da cidade estando com as atividades paradas.


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“Agora é o momento da gente falar, é o momento da gente se juntar e contar para o mundo que não aceitamos ser tratadas dessa forma. Não estamos dispostas a nos submeter às violências. Para a gente adquirir direitos e respeito, temos que lutar de forma coletiva. A gente se “coletivou” pra construir esse movimento de forma suprapartidária com muito carinho, afeto, respeito às vítimas e, principalmente, com vontade de provocar uma mudança social. É um compromisso de entrega de um mundo melhor também para geração futura, um mundo mais justo em que a gente faça mais do que sobreviver ao superar estas pautas”.


É bem verdade que os casos de assassinato e feminicídio em Tiradentes estão bem abaixo da média nacional. No entanto, um levantamento da Secretaria de Segurança solicitado pelo movimento “Justiça por Iara” em 2021 já apontava, naquele momento, índices de agressões acima da média do estado. Era um dado carente de análises especializadas, já que a administração municipal anterior e de agora se quer realizou um diagnóstico da violência de gênero no município. Mesmo com Iara não sendo a única vítima a sofrer e todas saberem que a violência é cotidiana.


Em 2017, outro assassinato, o da estudante do Elvas, Gisele Lúcia de Campos, de 16 anos, também abalou as mulheres da região. Gisele foi morta quando voltava da escola. Ao descer do ônibus e seguir para casa, foi agarrada e estrangulada com uma corda. O autor era um adolescente de 12 anos. Segue-se ainda outras histórias que habitam os pesadelos das tiradentinas e os noticiários que deixam todas nós inseguras.


Lutas por toda parte


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Até agora, manifestações foram confirmadas em vários estados no domingo, 7. Além de irem às ruas cobrar providências contra grupos de redpills que incentivam o ódio nas redes, as mulheres reforçam que o feminicídio permanece como uma ferida aberta. O Brasil vive uma onda brutal de agressões, ameaças e assassinatos motivados por gênero.


Em outubro, na vizinha São João del-Rei, após uma discussão no local de trabalho, um homem voltou dirigindo e jogou o carro contra uma colega, prensando-a contra uma parede. Em seguida, teria dado ré, atingido a vítima novamente e fugido logo depois. Equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência prestaram os primeiros socorros e a encaminharam ao Hospital Nossa Senhora das Mercês, onde ela passou por cirurgia.


Um outro agressor chegou a ser preso na porta da delegacia ao tentar impedir que a namorada entrasse na instituição especializada pelo atendimento à mulher (Deam), onde ela queria denunciá-lo por ameaça. Os policiais civis intervieram e o criminoso foi para o sistema prisional. O caso aconteceu em maio, também em São João-del Rei.


Mas quantas não tem essa sorte? Ano passado, uma mulher de 28 anos ficou com o rosto desfigurado após ser espancada dentro de um motel em São João del-Rei, depois que o namorado dela, de 23 anos, a agrediu com um capacete.


Ação do conservadorismo


Os requintes de crueldade não são mero detalhe. Na última semana, Tainara Souza Santos, de 30 anos, foi arrastada por um carro na Marginal Tietê, na zona norte de São Paulo. As duas pernas precisaram ser amputadas e ela está internada em estado grave. O agressor é Douglas Alves da Silva, de 26 anos, com quem Tainara manteve um relacionamento. Ele está preso e é investigado em um inquérito que se tornou a gota d’água impossível de silenciar em todo Brasil.


Antes disso a pauta já era grave, mas agora há a constatação de uma escalada sistemática de violência contra mulheres, alimentada por discursos machistas e misóginos que se espalham pela internet. Não são casos isolados. São justificativas que tentam empurrar mulheres de volta ao silêncio, à submissão e ao poder do machismo.


Mas os inimigos das mulheres são muitos. Segundo a Revista AzMina, o Brasil é o 5º país no ranking mundial de feminicídio e, ainda assim, o projeto Elas no Congresso viu crescer o número de pautas antigênero impulsionados pelas bancadas conservadora, evangélica e também (pasme!), por mulheres eleitas com o rótulo antifeminista.


Das 812 proposições avaliadas, mais de uma em cada cinco (22,3%) foram consideradas prejudiciais às agendas de gênero. Nestas, 58 têm mulheres como coautoras. Na Câmara, Júlia Zanatta (PL-SC) assina dez delas, Clarissa Tércio (PP-PE) assina sete, e Chris Tonietto (PL-RJ) seis. No Senado, Damares Alves (Republicanos-DR) é autora ou coautora de seis PLs desfavoráveis. 


Olha a situação: as mulheres são menos de 20% do Congresso Nacional e boa parte da sua atuação legislativa vem se voltando a promover retrocessos, ao invés de avanços. Isso sem falar dos inimigos de sempre.


O Deputado Dr. Frederico (União Brasil-MG), Médico Oncologista e ex-Presidente da Associação Médica de São João del-Rei, tem se posicionado em votações na Câmara dos Deputados que impactam os direitos das mulheres.


No projeto que suspendeu a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda, sobre aborto em casos de violência sexual, por exemplo, o parlamentar votou a favor da suspensão. Ele se alinhou com a bancada conservadora e gerou críticas por dificultar o acesso ao aborto legal para vítimas de estupro. Outro representante da região, Domingos Sávio também seguiu o mesmo posicionamento.


Machismo mata todo dia


O machismo e o conservadorismo formam um terreno fértil para o feminicídio porque sustentam estruturas que legitimam o controle dos homens sobre a vida das mulheres. Quando a sociedade naturaliza a ideia de que elas devem ser submissas, cuidadoras únicas da família ou dependentes emocional e economicamente, cria-se um contexto em que a autonomia feminina é percebida como ameaça.


Em ambientes conservadores, a defesa rígida de papéis de gênero reforça a noção de posse: a mulher deixa de ser sujeito de direitos e vira patrimônio afetivo, escrava do lar. Esse modo de pensar alimenta a violência, pois qualquer movimento de ruptura, como pedir separação, denunciar agressões ou buscar independência, pode ser interpretado pelo agressor como afronta intolerável.


O machismo também deslegitima o sofrimento feminino, fazendo com que sinais de abuso sejam minimizados por famílias, instituições e até pelo Estado. Assim, a violência escala sem interrupções.

Quando combinadas, essas forças culturais produzem um círculo perverso: homens são socializados para dominar; mulheres, para suportar. É desse desequilíbrio que nasce o feminicídio, não como ato isolado, mas como culminação trágica de um sistema que insiste em negar às mulheres o direito fundamental de viver plenamente e em segurança da forma que ela quiser.


Leia a integra da pauta nacional:


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