Um dia para curar com alegria
- Daniela Mendes
- 20 de set.
- 5 min de leitura
Falta uma semana para o dia de Cosme Damião. Antecipamos a programação da Tenda Espírita Santa Joana D'arc. Veja como doar e participar.

Por Daniela Mendes e Natália Chagas
Há quem diga que 27 de setembro é o verdadeiro dia das crianças. Elas veem nessa data uma promessa se renovar a cada ano quando se comemora o São Cosme e Damião. Na antiga Rua do Ouro, no Alto das Mercês, a Tenda Espírita Santa Joana D’arc abre suas portas para acolher meninos e meninas de todos os cantos da cidade.
É quando a fé toma a forma de partilha de guloseimas, brinquedos, bolo, pipoca doce, cachorro-quente e até cestas básicas e frutas. No ano passado, foram muitas doações. Mas, este ano, a expectativa é ainda maior, já que a festa cairá em um sábado.

O Terreiro conseguiu autorização da prefeitura para fechar a rua com brinquedos alugados, como o pula-pula. A ideia é que seja um dia dedicado à infância de corpo e de espírito. Às 15h começa a diversão e às 18h têm início as doações, algumas sorteadas já que a procura deve exceder a oferta.
“Tem criança que vem de bicicleta, outras chegam a pé com mochilas nas costas, prontas para encher de balas”, conta uma das organizadoras, Marina Taroco, a cambona chefe do terreiro. Ela conta que ninguém pergunta de crença porque uma grande lição que as crianças dão é de viver sem preconceito.
Ela conhece bem a cena que se repete a cada ano: meninos e meninas ansiosos, batendo no portão antes da hora. Alguns pedem para reservar uma bola, outros perguntam quando vai começar. No olhar deles, a celebração é mais do que um dia de brincadeira: é a certeza de que a vida pode ser doce e solidária.
Só que para o sonho da organização se realizar com todos os pequenos satisfeitos, o Terreiro precisa de ajuda. O desejo é que nenhuma criança vá embora de mãos vazias. Que não seja preciso sortear brinquedos ou alimentos, mas que haja abundância para todos.
Cultura e tradição

No fim da tarde, quando as sacolinhas já tiverem sido entregues e as risadas ainda ecoarem na rua, todos serão convidados a entrar no Terreiro para assistir à gira (ritos) das crianças espirituais. Ali, entre cânticos e danças, a crença se mostra como é: simples e generosa.
O Terreiro, existe desde 1972, é sustentado pela fé e pela caridade. Há décadas distribui alimentos, roupas, remédios e bênçãos à comunidade. A festa tem um sentido espiritual profundo. Pois além da solidariedade, os pequenos de Cosme e Damião representam uma força de cura: riem das dores e transformam lágrimas em esperança.
“A alegria é um remédio”, explica Mãe Sandra. “São Cosme e Damião ajudam com emprego, estudo, harmonia, paz e cura. É um dia em que as energias de muitas crianças indígenas, negras, ciganas se encontram em celebração.”
A história da tradição também se mistura com histórias de fé. Marina lembra de uma promessa feita por uma família católica amiga dela. Após perder um bebê e, depois, receber a bênção de gêmeos, decidiram distribuir doces em honra aos santos. Mesmo em tempos difíceis, o “milagre da providência” acontecia para ajudar o casal a pagar a dívida divina. “É impressionante como tudo se ajeita. Graças à solidariedade, conseguimos levar alegria a muita gente”, afirma.
E para ela também tem um significado especial. Foi justamente nesse tempo de celebração de Cosme e Damião que Marina se encontrou com a religião e decidiu fazer parte da religião. “A primeira vez que eu vim, a Mãe Sandra me colocou para rezar o terço”, recorda e diz que ficou surpresa com o ato corriqueiro da tradição católica num terreiro. Mas ali ela rezava, na igreja não se sentia à vontade.

A princípio, passou a frequentar às segundas-feiras, quase de forma tímida, só para rezar. Até que veio o convite para conhecer a festa. Ainda era tempo de pandemia e, por isso, a comemoração não foi aberta ao público como de costume. Mas Marina viveu uma experiência transformadora. “Senti uma energia muito boa. Você vê aquelas crianças espirituais, a satisfação que tomava conta… Eu fiquei encantada”, lembra.
O encantamento virou decisão. “Para mim foi tudo muito rápido. Logo eu pensei: ‘Eu quero ficar aqui. Eu acho que me encontrei’. E nunca mais saí.” Assim, entre rezas, os pequenos do mundo espiritual e o calor da comunidade, Marina selou sua ligação com a Umbanda. E desde então, a cada ano essa época carrega para ela um sentido especial: o da escolha, da permanência e da descoberta de um caminho. Além, é claro, de toda organização.
Seo Dão, mais quieto, foi provocado logo em seguida por Marina. Esse senhor, de longas barbas brancas incorpora o Preto Velho e também uma criança espiritual, o Lazinho. "Ele adora pregar peças e, certa vez amarrou os cadarços dos fiéis", revelou Marina.
Cura espiritual e paz entre as crenças.

Um significado espiritual profundo, explica por que o dia de Cosme e Damião é tão aguardado no calendário do Terreiro.
“A trindade da Umbanda são as crianças, o caboclo e o preto velho”, explicou Mãe Sandra. É por isso que esta festa tem uma importância tão grande. Embora a dos Pretos Velhos também seja muito significativa, este dia é ainda mais esperado porque envolve muita troca de afeto, de energia e de partilha.
Muitos católicos também fazem a distribuição de doces nesse dia. Há pessoas que preparam as sacolinhas como forma de pagar promessa. A simbologia do doce é ainda mais especial em São João del-Rei, onde existe a tradição de doar balas nas procissões. “Balinhas eram dadas para que quem carregasse o andor tivesse energia”, recorda Mãe Sandra para destacar que a bala “também serve para dar ânimo” em todos os ritos religiosos.
No Terreiro, as balas se ligam aos santos pelas crianças: “Eles trazem essa falange de meninos e meninas espirituais, cada qual de seu lugar de origem. Elas eram pessoas que morreram crianças e aí viraram entidades e carregam a sua história e incorporam nos médiuns, que juntos atuam principalmente na cura espiritual", explica Mãe Sara.
Uma praticante relatou que, às vezes, você chega contando um problema para a criança espiritual e ela ri na sua cara. E Mãe Sandra completa: “É um processo de curar rindo da situação, envolvendo com a energia para poder estar dando a transformação na vida da pessoa.”, afirma.
E, sendo as crianças tão puras, elas entendem e provocam a energia deste dia em que a fé, a solidariedade e a alegria se encontram para lembrar que o mundo pode ser um lugar de paz entre as crenças.








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