Sarah Sampp: uma pedra lançada ontem
- Daniela Mendes
- 20 de nov.
- 8 min de leitura
Novo single de Sarah Sampp evidencia a generosidade e irreverência da cultura negra mineira no encontro com o rap.

Ela chega a Tiradentes na agenda do Novembro Negro trazendo não só o rap, mas um filme de memórias. No dia do lançamento de Ed Hardy, seu novo single, Sara de Oliveira Sampaio, a Sarah Sampp atravessa o tempo: volta aos anos 2000, pisa no presente e acena para o futuro.
A música faz parte de um projeto maior que revisita diferentes décadas do rap como quem rebobina a fita para descobrir onde tudo começou. “A gente está no agora, mas precisa voltar nas nossas histórias para construir o futuro”, explica.
É tempo de festa, mas, principalmente, de consciência, com recados sobre aposta, sorte e destino. A rapper quer inspirar outras mulheres a apostarem em si mesmas, na própria trajetória. O teaser do lançamento traz a voz da mãe de Sarah, Magna Oliveira, abrindo a questão: “Exu matou um pássaro hoje com a pedra que só atirou ontem. ”
É esse o conceito. A pedra é ancestral. O voo, futuro. Orgulhosa de suas raízes, é nelas que a artista se sustenta: um avô militar que tocava trombone, um tio do pistom, partitura sobre mesa de cozinha e o som do sopro atravessando a casa com a voz da mãe: “Escreve. Escreve. Escreve. ”
No dia da morte de Marielle Franco, esta mãe preta ligou para filha chorando e a emoção encontrou a poesia. Dali Sarah foi para o slam e logo estava fazendo rap. “Foi onde eu descobri que eu tinha o que dizer. ” Um canto que sai da gaiola. “Rap é cultura preta para falar de vivências pretas. E essas vivências são diversas. ”, demarca.
E em Minas Gerais o ritmo se apresenta em toda pluralidade do estado dos inconfidentes, do Congado, do sotaque, meio a contemporaneidade. Não há padrão mineiro: há singularidade na diversidade, frases que buscam a resposta que pousa nas entrelinhas: como construir o novo sem esquecer quem abriu a porta? Sampp responde: com arte.
Hoje, Sarah se apresenta no Plano B que tem programação dentro do Novembro Negro, organizado pelo coletivo Negruras Tiradentes, Congado Tiradentes e colaboradores. Além dela, tem DJ Julona, Batalha da Estação (batalha de rima), Marilane Santos e Trio, Corleone e Smtshotter.

Como surgiu a Sarah Sampp? Como foi essa evolução?
O Sampp vem de Sampaio, que é um sobrenome meu. E é isso. A minha família é de músicos. Meu avô materno era militar e ele fazia parte da banda. Ele tocava trombone de vara. A música sempre foi algo muito presente na minha família. Meu avô incentivava todo mundo: os primos, os filhos. Meu tio tocava pistom também e viveu muito tempo disso, de tocar.
Então, crescer entre artistas, com arte, com muita música, samba e tudo mais, foi muito natural pra mim. Só que eu ainda não me via inserida. Eu lembro que tentei tocar alguns instrumentos, mas não deu bom. Cantar também eu não gostava tanto, principalmente aquela música mais europeia, mais clássica, cheia de tom, essas coisas. Porque era uma família de músicos mais clássicos, mais instrumental, mais partitura e tudo mais.
Eu amava muito, porque isso me fez ver esse lado da arte, mas eu também, às vezes, não me encaixava. E aí minha mãe sempre falava muito para eu escrever. Eu não fui muito para esse lado da arte por um tempo, ali na minha adolescência. Mas nessa época minha mãe falava: “Escreve, escreve, escreve”.
Até que um dia muito específico, que foi o dia que eu comecei mesmo. Foi o dia que eu acho que a Sara Sampp surgiu, o dia da morte da Marielle. Minha mãe estava muito mexida com aquilo, muito emocionada, querendo entrar para a política, e me ligou chorando. Quando ela me ligou, eu me dei conta do que estava acontecendo, da situação. E foi ali que surgiu o meu primeiro slam. Foi onde eu me inseri no rap. Foi a partir do slam.
Slam é uma competição de poesia falada, também conhecida como poetry slam, que surgiu nos EUA nos anos 1980. Nele, poetas apresentam composições autorais de até três minutos, sem o uso de adereços, figurinos ou música, sendo avaliados por um júri escolhido aleatoriamente na plateia. A palavra "slam" remete a um impacto ou batida, refletindo a força e a expressividade da performance.
Depois disso, eu entrei para o coletivo Pretas Poetas. A gente lançou um livro, eu comecei a escrever mais, mais e mais. E daí eu fui para o rap, comecei a fazer música...
E como foi o coletivo Pretas Poetas?
Pretas Poetas é um coletivo de mulheres negras da UFMG, que começaram escrevendo juntas e foram agregando outras mulheres que também escreviam. Foi lindo. A gente lançou um livro, com uma poesia minha inclusive, e o lançamento foi na Biblioteca Pública de Belo Horizonte. Era slam, poesia, cultura preta marginal. Foi um lugar muito potente de voz.
Como você acha que o rap ajuda as mulheres negras a se empoderarem?
Na minha história, o rap me mostrou que o que eu digo importa. Antes, eu me via fora do lugar da música. Eu não me sentia pertencente. O rap me deu segurança. Ele me mostrou: eu sei escrever, eu sei compor, e eu tenho o que dizer. E isso é importante.
Quando você sobe num slam, lança uma música, entra numa batalha, você entende que sua história é uma mensagem, que é pessoal e coletiva. O rap me deu autoestima e confiança. Me mostrou que fazer é importante.
E essa ideia de que o rap tem que ser político? Como você vê essa polêmica?
É uma cultura que veio de contextos periféricos, feita por pessoas pretas para pessoas pretas, falando da marginalização, do que a gente vive. Então, eu acho que se é algo que a gente vive ou algo que a gente quer viver, tem que falar, entendeu?
Eu não gosto muito dessa coisa de ‘tem que ser assim’ ou ‘tem que ser assado’, porque isso limita uma cultura a uma certa forma. O certo e o errado é muito subjetivo. Mas eu acho que é uma cultura preta para falar de vivências pretas, sabe?
Então é tudo que está ligado a isso, tanto a ostentação, quanto a política. Eu acho que tem várias vertentes. Um rap mais romântico, falar de amor, falar de coisas, ou falar de dinheiro… Acho que a gente tem que falar sobre tudo e estar em todos os lugares mesmo, sabe?
É mais sobre isso: ocupar todos os lugares. Tanto o romântico, tanto a ostentação, tanto a política. Tem várias vertentes. Se você quer ouvir um rap mais romântico, tem. Um rap mais político, tem. Um mais ostentação, tem. Uma coisa de comemoração também tem. Eu acho que é sobre isso, mas sempre voltado para a nossa cultura.
Eu acho que tem esse lado que é importante a gente ter consciência política mesmo. Acho que é importante para a gente, como pessoa preta, senão às vezes a gente vai para uns lugares que não são bons. Mas eu acho que em relação à cultura e à música, é sobre liberdade.
E o rap mineiro?
Então eu acho que é isso, né? Eu acho que o rap veio para o Brasil e cada estado construiu a sua identidade. No meu olhar, né, de um lado mais pessoal, eu acho o rap mineiro muito diverso, sabe? A gente está no Sudeste, então eu acho que já é muito mercado, é mercadológico, o mercado invade muito essa cultura do hip-hop.
Mas eu acho que Minas Gerais tem uma diversidade muito grande na forma de fazer rap, sabe? É muito diferente o rap do Djonga, por exemplo, com o rap do FBC, que também é daqui, com o rap da Mac Júlia. Eu acho que cada um tem uma identidade muito própria, é muito único. Não é uma coisa que você vai ver igual, sabe? Acho que é uma identidade muito, muito própria, assim, de cada artista daqui. Trazendo muito a história de cada artista, a personalidade. Então eu acho que esse é o diferencial de Minas Gerais.
E fora agora a cultura de Minas Gerais, né? Que eu acho que traz muito essa coisa do Congado, né? Eu acho que, o sotaque, isso tudo também agrega. E isso é uma coisa que eu reparei também depois que uma pessoa falou para mim, assim: “Nossa, você parece de Minas Gerais mesmo, pela forma que você rima”. E eu nunca tinha reparado, mas realmente eu acho que o sotaque e a regionalidade trazem muito isso.
Quais as suas influências?
Minha maior referência é a minha mãe e a minha família de uma forma geral, né? Eu acho que desde que meu vô, meu tio Rômulo, que também fez um show comigo tocando piston. Então, essas são as referências de casa e essas são as minhas bases. A minha mãe, Magna Oliveira, que é contadora de história, canta!
Aí tem samba e outras coisas mais voltadas ao rap... Eu acho que de uma velha guarda, né? Negra li, Facção Central, Racionais, que são a base assim, acho que de onde eu tive os primeiros contatos ali com rap.
Mas Stefanie também do rap e muitas outras atuais... O Djonga, FBC, Mac Julia, Isa Sabino, Laura Sette, sabe? Tipo, quem fez acontecer, quem eu vi acontecendo também... Então, assim, são umas coisas diferentes. Eu não consigo lembrar todo mundo agora.
Agora, conta dessa novidade... Você chegou e ficou até de madrugada lançando um single?
Hoje aconteceu o lançamento de Ed Hardy, que é o nome da faixa e é também o

de uma marca que traz muito os anos 2000. Escute aqui
Ed Hardy é uma marca de moda americana fundada por Christian Audigier, inspirada na obra do lendário tatuador Don Ed Hardy. A marca é conhecida por seu estilo ousado e vibrante, que combina a arte da tatuagem tradicional americana e japonesa com o streetwear. Seus produtos incluem roupas e acessórios com as estampas icônicas de Hardy, como caveiras, corações e tigres.
E esse projeto como um todo abrange um projeto maior que está vindo, que fala sobre voltar no passado para ir para o presente, para ir para o futuro, né? Então traz… até o teaser que a gente fez desse lançamento fala sobre isso, né? Onde minha mãe aparece e fala que “Exu matou um pássaro hoje com a pedra que ele só atirou ontem”, né? Então, assim, é sobre isso, sobre estar, né? A gente está nesse presente, mas é sobre voltar de onde a gente veio, das nossas raízes, para conseguir fazer um futuro e vislumbrar um futuro. Então a gente está voltando e rebobinando.
Esse lançamento fala muito sobre os anos 2000, trazendo referência dos anos 2000. E é uma faixa muito para cima, uma faixa de festa, uma faixa que também fala sobre alguns temas políticos, né? Tipo como a CPI que está acontecendo, né? Sobre apostas, que eu acho que tem muito disso de não apostar nesse jogo de aposta tipo Tigrinho, e apostar na gente mesmo. Ver que o nosso potencial está na gente, está na nossa história, está no nosso passado, para a gente construir um futuro foda, assim.
Acho que a gente precisa voltar nessas musicalidades, nessas histórias, mas trazendo sempre o olhar para o futuro, sempre as visões do futuro. É essa a mistura: do que veio antes, trazendo as histórias de antes, mas a gente está aqui, né? A gente está em 2025, a gente está no agora, a gente está vendo tudo que está acontecendo agora, mas reverenciando quem veio antes, quem fez isso acontecer antes. Então eu acho que é sobre isso.








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