Precisamos falar sobre a “camisinha feminina”
- Daniela Mendes
- 23 de abr. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 15 de jul. de 2022
As diversas questões e tabus que envolvem o uso dos preservativos interno e externo.
Por Eduarda Costa

Antes de mais nada devemos esclarecer alguns pontos sobre os preservativos: “Camisinha feminina” e “camisinha masculina” são como esses insumos foram popularmente e legalmente chamados, porém existe uma demanda necessária de movimentos sociais para que nomenclaturas como essas não sejam mais usadas devido ao tom transfóbico que esses termos carregam. Entendendo que o gênero é uma construção social e que vai além de homens com pênis e mulheres com vagina.
Beatriz Larizzatti, preocupada com sua saúde sexual, foi até o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de São João del Rei, Minas Gerais, na intenção de realizar alguns testes rápidos de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST's). Os testes rápidos são exames que conseguem identificar, de forma rápida, se você tem alguma IST. Podem ser realizados em unidades de saúde e os resultados ficam prontos em até 30 minutos.
Enquanto esperava pelo resultado do teste realizado, perguntou a uma funcionária do local sobre o preservativo interno, ciente de que é um direito seu. O art. 9º da lei nº 9.263, que trata do planejamento familiar, garante a oferta de todos os métodos e técnicas de contracepção cientificamente aceitos sem risco à vida e à saúde das pessoas. Porém, a estudante ficou sem o preservativo. Descobriu que fazia algum tempo desde a última vez que a instituição recebeu uma remessa.
Beatriz me contou o fato e muitas perguntas foram levantadas em nossa conversa. Então, a estudante de jornalismo que vos fala, resolveu ir mais a fundo nessas questões.
As pessoas tem acesso ao preservativo interno?

O preservativo interno pode ser encontrado em algumas farmácias, sexshops e principalmente em unidades de saúde, onde é distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, seja por falta de conhecimento, seja por não se encontrarem tão facilmente disponíveis para consumo, os preservativos dificilmente chegam às mãos das pessoas.
O SUS distribui preservativos internos, mas não existem campanhas para informar sobre sua distribuição para pessoas com vulva sobre o que é, como usar, porque usar, entre outras questões que surgem quando falamos sobre o contraceptivo.
Para a professora de medicina da família e comunidade da Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ), Tatiana Miranda, conversar sobre autonomia, autocuidado e compartilhar experiências é uma forma de estimular o uso do preservativo.
“Uma forma de ter domínio sobre seu corpo e ter o poder de escolher é usar um preservativo para protegê-la contra IST's”, afirma e complementa: “Para terem conhecimento sobre essa forma de proteção é preciso que as pessoas tenham acesso ao conhecimento sobre seu corpo, seus direitos de escolha e sobre a camisinha em si. Essa informação precisa ser compartilhada não apenas pelos setores da saúde como também pelos setores de educação.”
“Na relação entre mulheres precisa do método de barreira para a prevenção de IST’s. Doenças como o HPV e Sífilis não precisam de penetração para disseminar. É contato de mucosa”. Isadora Costa, ginecologista.
A professora também lembra que, diferente de homens, mulheres nunca foram incentivadas a se conhecer, descobrir o que dá prazer, como funciona o próprio corpo, o que também é um fator importante para explicar porque poucas aderiram ao uso da camisinha.
Sobre esta questão, a ginecologista Isadora Costa ressalta: “A gente foi criada com um tabu de que menina não pode se olhar, se tocar, o que é muito diferente da criação masculina”.
Baseada na sua experiência, a médica ainda revela sobre mais desafios cotidianos. “Na primeira consulta ginecológica a gente conversa sobre autoconhecimento. Tem que ter conhecimento do próprio corpo para conseguir inserir a camisinha interna. É um tabu quando se fala no consultório você já colocou a mão na sua vagina? Você já viu como é? Você já colocou um espelho pra se olhar?”, narra.
Quando trazemos a questão da saúde sexual para a realidade de pessoas LGBTQA+ surgem outros questionamentos. Por muito tempo acreditou-se erroneamente no mito de que a relação sexual entre mulheres cisgênero, que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceram, não envolveria o risco de transmissão de infecções, uma vez que não teria penetração. A luta e o debate promovido por movimentos sociais de mulheres lésbicas e bissexuais têm contribuído para a desconstrução destes e de outros equívocos reproduzidos na área da saúde.
“Na relação entre mulheres precisa do método de barreira para a prevenção de IST’s. Doenças como o HPV e Sífilis não precisam de penetração para disseminar. É contato de mucosa”, explica e alerta a ginecologista.
Quais as vantagens do preservativo interno?

As profissionais de saúde entrevistadas ressaltaram a importância de estimular o autoconhecimento e divulgar o preservativo interno como mais uma alternativa de prevenção de gravidez indesejada e, principalmente, de IST’s.
O autoconhecimento e a utilização do preservativo interno geram para as pessoas que o utilizam uma maior liberdade e controle sobre o próprio corpo. “Há relatos de mulheres que utilizaram a camisinha interna que sentiram mais prazer porque elas tinham o poder de estarem protegidas sem depender de outra pessoa e também devido ao menor atrito do preservativo interno, o que causou mais conforto”, exemplifica a ginecologista.
Costa também explica que na prática usar o preservativo interno não é tão difícil quanto parece. “A camisinha vem como se fosse um coador de café. Com duas argolas uma em cada extremidade. A argola que vai lá dentro você joga no fundo da vagina introduzindo com o dedo enquanto a outra fica do lado fora protegendo a parte externa. Após a relação sexual você pega a argola de fora, torce para que nada saia de dentro da camisinha, puxa e joga fora. Você pode colocar essa camisinha até 8 horas antes da relação sexual.”
Vídeo veiculado pelo Departamento de Doenças e Infecções Sexualmente Transmissíveis.
No consultório quando o assunto é preservativos, a ginecologista relata que não costuma receber muitas dúvidas sobre o assunto mas recomenda o método para pacientes sempre que possível e exalta mais uma vantagem: “A camisinha interna é de um composto diferente da camisinha externa. As camisinhas externas, em sua maioria, são feitas de látex e algumas pessoas têm alergia.”
A médica também lembra que a camisinha interna e os demais métodos contraceptivos hormonais e não hormonais são um direito. “As pacientes têm que saber que elas têm direito a receber os preservativos de forma gratuita tanto o masculino quanto feminino, o contraceptivo oral, injetável e o DIU. Tudo isso ajuda na segurança do corpo.”
O que é o Centro de Testagem e Aconselhamento?

Após conversar com Beatriz e as profissionais de saúde, procurei saber mais sobre o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA). O órgão é a unidade de saúde que presta serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento de IST’s e, também, o principal ponto de distribuição de preservativos no município.
Conforme o que a enfermeira que trabalha no local, Luana Melo, informou, apesar do CTA ser voltado para cuidados com a saúde sexual, raramente encontram-se camisinhas internas na unidade devido ao pequeno número destes preservativos que são enviados pelo Estado e também pela pouca demanda em comparação ao preservativo externo.
Os preservativos internos são rapidamente consumidos quando estão à disposição do público. Ou seja, a demanda pelo preservativo interno, apesar de baixa, existe e não está atendendo às pessoas que o procura nas unidades de saúde.
Durante a onda roxa da pandemia de coronavírus, o CTA está funcionando parcialmente. Realiza os testes rápidos de IST’s apenas em pacientes encaminhados por outros médicos. A distribuição de preservativos segue normalmente, apesar de que quando visitei a unidade de saúde, não haviam preservativos internos disponíveis.
Nem todas as cidades contam com um CTA. Apesar disso, as pessoas podem encontrar preservativos, realizar os testes rápidos de IST’s e outros serviços prestados em qualquer unidade de saúde, basta procurar o posto mais próximo.
Para que esses insumos cheguem até pacientes do SUS em cidades, como São João del Rei, eles passam primeiro pela Secretaria de Saúde do Estado (SES-MG), depois pela Gerência Regional de Saúde de São João del Rei (GRS), que se encarregada de distribuir os contraceptivos nas unidades de saúde da microrregião.
Números

De acordo com o Ministério da Saúde, aproximadamente 15 milhões de preservativos internos foram distribuídos pelo SUS, em 2020. Parece um número elevado, mas quando se compara com os 350 milhões de preservativos externos, a perspectiva muda. Em um recorte estadual, Minas Gerais recebe 4% dos preservativos internos e 5% dos preservativos externos distribuídos em todo país.
Além de ser uma maior quantidade de camisinhas externas, elas são enviadas para o estado com maior frequência. Devemos levar em conta que pessoas com vulva também consomem os preservativos externos, seja por falta de conhecimento do preservativo interno, seja por não o encontrarem de forma acessível disponíveis para consumo.
"Depois que eu saí do CTA, fiquei pensando sobre a necessidade da educação sexual para sobrevivência de pessoas LGBTQIA+. Se pessoas cis-hetero encontram dificuldades de proteção, tem que imaginar como é para nós pessoas LGBTQIA+, imaginar que nos é negado o direito básico de proteção e o conhecimento de outras práticas não cisheteronormativas” reflete Beatriz e lembra: “Educação sexual para prevenir, métodos contraceptivos para não engravidar, aborto legal, seguro e gratuito para não morrer!”
Baseada nas informações aqui apresentadas percebe-se a importância de cobrar do Estado a distribuição e a divulgação desses insumos. É essencial que as pessoas adquiram conhecimento do próprio corpo, funcionamento e despertem interesse de autocuidado através da utilização de métodos contraceptivos.
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