Outubro Rosa pode chegar desbotado.
- Daniela Mendes
- 13 de jul. de 2022
- 7 min de leitura
Atualizado: 26 de jul. de 2022
Falta de consenso entre as instituições, na legislação federal, confusão e negligência na prestação de serviço municipal deixam o rosa ainda mais desbotado para mulheres.
Matéria atualizada em 26/07 às 21h59.

Desde 2002, repete-se exaustivamente para brasileiras realizarem autoexames e mamografia a fim de prevenir através do diagnóstico precoce o câncer de mama. A campanha invade os meios de comunicação, discurso de atrizes e personalidades públicas. É uma chuva de peitos e rosa, que em 2011 ainda somou à sua pauta campanhas sobre o câncer de colo do útero em diversos estados.
A sociedade se mobiliza bem no combate ao câncer de mama, que é a primeira causa de morte deste tipo de doença na população feminina em todas as regiões do Brasil. É tamanha a movimentação que no ano de lançamento da campanha chegaram a iluminar de cor de rosa o monumento Mausoléu do Soldado Constitucionalista (o Obelisco do Ibirapuera). A exemplo, outras capitais promovem mesmo show de luzes, como foi o caso de Goiânia que iluminou em 2021 um viaduto. Ano passado, em Belo Horizonte, o Hospital Baleia estendeu uma faixa rosa na fachada.

Tantos apelos conseguem sensibilizar mulheres, que procuram os serviços de saúde para se prevenir. Mas ao chegar lá, descobrem que o sentido de prevenção para o Estado pressupõe a idade de 50 anos. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS) você só pode fazer uma mamografia a partir desta idade. E, mesmo assim, em São João del-Rei, que atende Tiradentes e outras cidades vizinhas, o serviço não supre de forma adequada a população.
É um cenário de um rosa bem desbotado. Quando outubro chegar, talvez as mulheres tenham é que lutar para que seus direitos sejam respeitados para que possam, só então, de fato, lutar contra o câncer.
Sem consenso na legislação.
Não há dúvidas de que a campanha tenha seu papel na conscientização de um grande número de mulheres para fazer os exames. E isso é muito importante. Contudo, se uma paciente de 40 anos for hoje na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Tiradentes, ela descobrirá que, segundo a Portaria 1.253/13 ela só poderá começar a prevenção a partir dos 50 anos.
O que a levará a entender que só deve se preocupar com a doença a partir do 50 anos, não importando o quanto especialistas tem alertado que a incidência da doença em mulheres com menos de 30 tem aumentado e que, nestas condições, vem de forma mais agressiva.
Existe uma lei anterior a esta portaria (11.664/08), que dispõe sobre a efetivação de ações de saúde para a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres do colo uterino e de mama. Segundo o texto, “a realização de exame mamográfico fica assegurado a todas as mulheres a partir dos 40 anos de idade”. Ou seja, a idade de 40 anos que está na lei.
Isso é causa de divergências em Brasília. Em novembro de 2021, as comissões de Defesa dos Direitos da Mulher, de Seguridade Social e Família, e a Comissão Especial de Combate ao Câncer no Brasil se reuniram para debater o assunto.

A deputada Tereza Nelma (PSDB-AL), que é paciente oncológica, pediu a realização do encontro e defendeu a antecipação da mamografia no SUS para mulheres abaixo de 50 anos. Ela é relatora do projeto de decreto legislativo (PDL 679/19) do Senado Federal que procura sustar a Portaria.
Artigos médicos dão conta de que o rastreamento do câncer de mama é estudado desde os anos 1970. Este tópico sempre foi alvo de divergências quanto a relação entre a frequência e eficácia dos exames.
As técnicas mais conhecidas e estudadas hoje são os exames de imagem, o exame clínico das mamas (toque do ou da ginecologista) e o autoexame das mamas. Destes, a mamografia é considerada o padrão ouro para o rastreamento da população de risco padrão porque a sensibilidade e especificidade do toque são menores em relação à máquina.
Contudo o exame clínico das mamas e a mamografia juntos são apresentados nas campanhas como a melhor estratégia a ser adotada. O tratamento é menos agressivo se a doença for detectada em estágio inicial. Isso, favoreceria, de acordo com estas, melhor qualidade de vida, a diminuição de riscos de mutilação, menos efeitos colaterais, e aumento das taxas de cura pela doença.
Sem consenso de especialistas.
A pesquisa de um painel independente de especialistas em atenção primária e prevenção, que revisa sistematicamente as evidências de eficácia e desenvolve recomendações para serviços preventivos clínicos, o The U.S. Preventive Services Task Force, USPTF, não recomenda o rastreamento mamográfico do câncer de mama entre 40 e 49 anos. Para esta, a mamografia deve ser feita a cada dois anos, a partir de 50 anos de idade. Foi essa mudança que se alinhou às recomendações de alguns países da Europa e do Brasil. Mas não sem causar controvérsias e confusão.
O presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), Dr. Vilmar Marques, diz que há peculiaridades da realidade da população brasileira que devem ser levadas em conta. Segundo o médico, 40% dos cânceres ocorrem abaixo dos 40 anos em nossa população. Baseada em observações de fatores como clima, estilo de vida, entre outros, a SBM preconiza que toda a mulher a partir dos 40 anos de idade deve realizar a mamografia anualmente.

Por esta lógica ele define o sentido de diagnóstico precoce pela descoberta do tumor em sua fase inicial. “Isso faz toda a diferença para a paciente, pois se diagnosticada precocemente as chances de cura da paciente podem chegar a 95%. Consequentemente, ao nos depararmos com câncer em estágios iniciais e iniciando logo o tratamento é possível reduzir o número de mortes”, garante e recomenda: “As mulheres mais jovens com histórico familiar, ou seja, com caso da doença na família, podem realizar o exame mais cedo e associado a ressonância mamária, após os 25 anos se idade”.
E ainda tem as dificuldades em São João del-Rei.
Uma mulher, se seguir o conselho da SBM e for a uma consulta de rotina na UBS, hoje, em Tiradentes, passará somente por uma entrevista. O exame clínico das mamas só se realizará se ela trouxer alguma queixa já manifestada. Fato atestado por esta reportagem. Logo, não há uma campanha que sistematize uma prevenção efetiva e constante.
E se esta mesma mulher detectar alguma coisa através do auto exame, for ao médico e o profissional pedir uma mamografia para um diagnóstico mais preciso, a paciente tiradentina terá problemas para receber o serviço pelo SUS. Porque o único lugar que faz exame de mamografia nas cidades do entorno é São João del-Rei. E lá, a demanda não tem sido respondida de forma eficaz.
De janeiro de 2014 a abril de 2022 São João del-Rei realizou 24.655 procedimentos de mamografia bilateral para rastreamento e mamografia diagnóstica segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Estes procedimentos são feitos pelo mamógrafo da rede pública, que fica no Centro Estadual de Atenção Especializada (CEAE) Viva Vida, ou quando a prefeitura contrata o serviço da rede privada.
Desde 2016, no entanto, o serviço não vem sendo prestado de forma adequada. (LEIA AQUI). Somente os casos mais graves eram encaminhados para a Santa Casa da Misericórdia. Até outubro do ano passado, a situação ainda não tinha se resolvido (LEIA AQUI TAMBÉM).
O vereador Igor Sandim (PODE), que se pronunciou nos meios de comunicação na ocasião, reitera o compromisso da vereança de fiscalizar o acesso da população à políticas públicas. Ele afirma também que o mamógrafo do CEAE foi consertado depois de cobranças. O problema agora é que não há profissional especializado para fazer a mamografia e as UBS não estão recebendo nenhuma justificativa do porquê dessa espera. “São tantos problemas no município, que a saúde de São João del-Rei está num carro desgovernado ladeira abaixo sem motorista”, reclama e diz que continuará cobrando por soluções.
A discussão sobre o funcionamento do mamógrafo voltou à tona na audiência pública, presidida pela Comissão de Saúde da Câmara Municipal, no início de junho deste ano. Durante a reunião, foi dito que não haveria fila para o uso do deste aparelho. No entanto, usuárias do serviço de saúde apontavam que sim, a fila existia.
Por isso, a vereadora Lívia Guimarães (PT) fez o questionamento à Secretaria de Saúde, que respondeu por meio de ofício. Segundo este documento, houve falta de comunicação entre setores administrativos do Município: usuárias do serviço de saúde repassaram a informação que havia fila, mas representantes da Secretaria de Saúde apontavam o contrário. Foi identificada uma falha, portanto, na troca de informações entre Secretaria Municipal, Setor de Regulação, Santa Casa e unidades de Estratégia de Saúde da Família (ESFs).
Nesta segunda-feira, 11, o Gabinete da Vereadora Lívia Guimarães foi informado de que a Santa Casa foi notificada por não ter resolvido o problema do mamógrafo até a presente data. E que o CEAE, por sua vez, de acordo com a pasta da Saúde, iniciará o agendamento nesta terça 12 de julho.
Dúvidas e respostas
Procuramos a Secretaria de Saúde para esclarecer o que não ficou claro. Quinze dias depois a resposta chegou com um pedido de desculpas. A responsável pelo atendimento estava de licença médica. Por isso, hoje 26/07, atualizamos a matéria.
O serviço de mamografia na rede pública sempre funcionou, ainda que o mamógrafo do CEAE tenha ficado parado um tempo, segundo a secretaria de saúde. Afinal, há um contrato que determinava que a Santa Casa de Misericórdia também realizaria o exame.
No entanto, em razão do concurso público ocorrido em junho deste ano, não havia profissionais para agendar e fazer os serviços administrativos que envolvem os exames. Assim, as mamografias deixaram de ser realizadas no CEAE.
A resposta sobre a confusão de informações foi a mesma dada à vereadora. Num esforço de resolver esta dificuldade, a assessora Karina Cardoso enviou um e-mail ao prestador de serviços, a Santa Casa, e a resposta que obteve, semanas depois, foi de que não haveria data prevista para retorno dos agendamentos.
Diante disso, Karina solicitou ao setor de contratos e assessoria jurídica que notificasse a prestadora de serviços para tomar providências em oito dias, mas não obteve resposta. Ela então requereu nova notificação para que a prestadora fosse punida devidamente como prevê as cláusulas contratuais.
Por fim, a assessora afirma que houve a retomada dos exames no CEAE, no dia 12. “Então o CEAE está realizando atualmente as mamografias da microrregião de São João del Rei”, respondeu em e-mail.
A Secretaria de Saúde informou também que, em média, estão sendo realizados 35 exames de mamografia por dia. Os profissionais de enfermagem, enquanto as mulheres realizam o papanicolau, fazem a solicitação de mamografias de rastreio para as pacientes de 50 a 69 anos. No caso do médico identificar alguma alteração significativa na mama, faz-se a solicitação da mamografia de diagnóstico. Não existe um cálculo do tempo médio de espera por conta do concurso de junho.
Karina afirma que a paciente atendida pelo SUS pode realizar exames independente da faixa etária. O que há é essa discordância entre especialistas que explicamos acima. Trata-se de um protocolo. Mas se o médico do sistema público decidir que esta mulher precisa fazer o exame, ela fará independente da idade.
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