top of page
Logo da criadora Daniela Mendes

Potência não se herda, cultiva

Não fique esperando o que Jesus prometeu, pois ele também está esperando que você tome vergonha na cara, canta Jorge Ben Jor.

Foto ilustrativa: getty images
Foto ilustrativa: getty images

Quem participa de grupos (e todos são políticos), em maior ou menor grau, sabe o quanto é difícil mobilizar pessoas. E nem estou falando da produção... Que também não é mole! Arrecadar alimentos e organizar cestas básicas, arrumar cadeiras pra uma reunião, passar na gráfica e pegar pacotes pesados de panfletos, fazer panelões de comida, recolher insumos pra feijoada, dividir tarefas... Fala sério! Às vezes fica estampado nas carinhas: por que diabos eu me meti nisso de novo?


Pra tudo isso uma noite de sono até resolve o cansaço. Mas sabe o que realmente dá vontade de desistir? O messianismo. Nada mais desmobilizador. Pra quem não sabe, é essa mania de achar que vai aparecer alguém enviado, um líder iluminado que vai resolver tudo.


O mais traiçoeiro disso tudo é que, quando a gente espera por um “salvador”, acaba entregando de bandeja a própria força que tem. Em vez de somar, a gente transfere. Fica olhando pra uma pessoa só, achando que ela vai dar conta de tudo. É aí que mora o perigo.


Sabe, eu poderia citar Aristóteles, Spinoza, Nietzsche, Foucault… e talvez até sirva. Mas o que importa mesmo é a ideia que atravessa todos eles: potência não é algo que vem de fora, não é alguém que dá pra gente. É algo que nasce e cresce em cada um, e que floresce de verdade quando se junta com outro.


Nietzsche, por exemplo, tinha essa ideia interessante: a gente não carrega potência só como quem guarda um tesouro escondido. É algo vivo, pulsando, querendo transbordar, mudar, criar. Quando a gente esquece disso e põe toda a esperança num salvador, parece que apaga essa chama. Não é assim também nas relações amorosas? (Um dia faço a mesma versão desse texto só pra esse aspecto).

Vai escutando uma musiquinha...

E lá no século XX, Foucault lembrou que poder não é só algo que alguém segura na mão, é um emaranhado de relações que atravessa todo mundo, o tempo todo. Ou seja: não é só o outro que tem poder, a gente também tem. E quando a gente esquece disso, acaba deixando que uma única pessoa dite o rumo de tudo.


No fim das contas, políticos e líderes são necessários. Não é pra demonizar a figura de quem representa, mas lembrar que democracia não é escolher alguém e cruzar os braços. É também ficar em cima, agir junto, dizer o que queremos e cobrar. Porque se não fizermos isso, ou a pessoa vai legislar em causa própria (como acontece com a maioria no Congresso Nacional) ou vai ser engolida pelo sistema.


E, às vezes, o próprio político alimenta esse messianismo, posando de pai da nação, de herói. É uma jogada velha, oportunista, e muito conveniente pra quem quer tirar força de quem deveria ter.


Nada, absolutamente nada, é mais potente do que um coletivo que se apoia, pensa junto e faz junto. Nada mais potente que a solidariedade (valei, Milton Santos!) É isso que faz uma associação, um bairro, uma cidade ou um país funcionar melhor.


Até quem nem é de partido pode cair na armadilha de querer centralizar tudo. Às vezes a intenção é boa: “Deixa que eu resolvo”. Só que quando a gente resolve sempre, sem perguntar, sem ensinar, sem esperar o tempo do outro, a gente infantiliza quem tá do lado. E infantilizar é sempre uma forma de mandar. A gente não deveria infantilizar nem criança!


Olha, o messianismo é uma praga mesmo! Faz todo mundo acreditar que as soluções vão brotar da cabeça de uma só pessoa. Mata a autonomia crítica. Cria gente que espera ordem ou milagre em vez de arregaçar as mangas, o que escraviza.


E quando o grupo aposta num “messias”, acaba sacrificando sua inteligência coletiva. Fica mais frágil, erra mais, repete mais. Porque mudança de verdade, sustentável, quase nunca sai da cabeça de um só. Ela nasce quando muita gente, com saberes e histórias diferentes, senta, discorda e pensa junto.


E claro: tem quem seja preguiçoso, narcisista, ou só não sabe trabalhar em grupo mesmo. E entendo que às vezes precisa, sim, alguém puxar, organizar, dar o primeiro passo. Mas a liderança devia ser só isso: uma função, quase burocrática. Quando alguém começa a achar que sem ele nada vai andar, é sinal de que é importante… mas também tá trabalhando mal.


É preciso aprender a ter paciência, deixar o grupo aprender, errar, experimentar. A gente não deveria querer ser pai ou mãe de ninguém.


No fim, a gente faz o que é certo, o que é ético, o que é bom, porque precisa ser feito, não porque vai ganhar medalha. E não dá pra cobrar que o outro faça só porque é do mesmo partido ou lado. Pra convencer alguém, não adianta jogar uma carteirinha moral na cara. Tem que conversar, escutar, argumentar, todo dia. É isso que transforma. Não a ideia de que, um dia, alguém vai lá no tik tok realizar todos os nossos sonhos de justiça social com um discurso bonito.


ree


Comentários


bottom of page