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Pelo direito de ter justiça.

  • Foto do escritor: Daniela Mendes
    Daniela Mendes
  • 5 de ago. de 2020
  • 6 min de leitura

Atualizado: 12 de ago. de 2020

Defensora pública há 22 anos, Cleiva Isabel Detomi Santos revela os desafios para fazer valer o direitos fundamentais numa época de intolerâncias.

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Cleiva Isabel Detomi/ Foto Natália Chagas

A defesa é um direito fundamental. A Constituição da República assegura no seu Art. 5ª, LXXIV e Art. 134 que todo cidadão que não tenha recursos suficientes para contratar um advogado tem direito a um defensor público.


O trabalho do defensor público, desta forma, envolve muitas questões: o problema do encarceramento em massa, a criminalização da pobreza e garantia de direitos humanos, só para citar alguns.


Queríamos conhecer como trabalhavam as Manas nessa área em São João del Rei (MG). Assim, logo o nome da defensora pública Cleiva Isabel Detomi Santos chegou até nós. E com ela, conhecemos uma mulher dedicada que atiçou ainda mais nossa reflexão sobre o Direito no Brasil.


Ela queria ser professora


O direito não era a primeira opção de Cleiva quando prestou vestibular. Foi no cursinho preparatório que um professor lhe chamou atenção para o dom natural de argumentar. Ela aceitou a dica, passou na prova e já no primeiro semestre do curso em Barbacena se viu apaixonada pela profissão.


Cleiva conheceu a defensoria pública do estado no estágio. Formou e foi a área que escolheu. Dessa época até o presente, já se somam 22 anos. Ajudar o próximo é a sua motivação maior.


“Eu falo isso de coração mesmo. Para ser defensor público, tem que ter vocação porque não é fácil o trabalho. Ainda não é muito reconhecido, mas é extremamente importante para que as pessoas de baixa renda tenham acesso à justiça”, explica.



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A defensora pública não consegue destacar um caso que seja mais marcante. Para ela, todos a comovem muito. Contudo, chama atenção para os processos da vara da infância e da juventude. “Crianças em situação de risco, crianças que precisam ser acolhidas. Isso é o que mais me marca, é o que mais me deixa mexida”, confessa.


Para Cleiva, juizado e Casa Lar, cumprem seu papel de proteção às crianças durante a pandemia em São João del Rei. O problema que vê mesmo é em relação aos processos que estão estagnados. Os prazos processuais estão suspensos durante a pandemia, apenas dando sequência os trâmites que se dão por meios eletrônicos.


Uma perspectiva histórica


A defensoria pública, no entanto, enfrenta desafios desde a sua criação. Quando Cleiva entrou na instituição em 1998 quase ninguém conhecia o serviço em São João del Rei. “Vários advogados não queriam ser defensores públicos. Porque se trabalhava muito e ganhava pouco”, recorda.


Durante esses 22 anos a defensora viu o quadro mudar através de leis e reconhecimento do papel da instituição prevista na constituição de 1988. Por aí observamos que o direito universal não é uma ideia incondicional a uma país independente. O Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, no ano de 1870, criou a praxe de alguns membros darem consultas jurídicas às pessoas pobres e defendê-las em juízo. Pois só tinha justiça no Brasil quem podia pagar.


Com a república, a situação não mudou muito. A Constituição Federal de 1934 cunhou a expressão Assistência Judiciária e abriu caminho para se responsabilizar o Estado pelo serviço aos necessitados, bem como a obrigação de criar órgãos essenciais para esse fim. Mas foi só isso.


Alguns estados até chegaram a criar atendimentos governamentais de assistência judiciária. Mas, de acordo com a Constituição de 1934 e o Código de Processo Civil de 1939, para o Estado, prestar serviço jurídico gratuito dependia da boa vontade de um profissional liberal que atuava pro bono, ou seja, voluntário. Depois, a Constituição de 1946 repetiu a de 1934 em relação à assistência judiciária aos necessitados.


Minas Gerais, como alguns estados criou órgãos governamentais específicos para a prestação da Assistência Jurídica em 1947. Também, algumas leis fizeram avançar o direito a assistência judiciária gratuita até, finalmente, na Carta Constitucional de 1988, a Defensoria Pública ganhar status de função essencial à justiça. Só a partir daí que o Estado ficou responsável por prestar a assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovam insuficiência de recursos.


Sem romantismo

“Estamos vivendo um tempo de intolerância, principalmente em relação aos crimes. A defensoria tem que lutar muito para garantir junto às pessoas carentes o direito delas de defesa. Principalmente na área criminal. Cleiva Isabel Detomi dos Santos

Quando Cleiva chegou à defensoria de São João del Rei, o serviço era atrelado à prefeitura e só depois se constituiu um órgão independente. A advogada passou por todas as mudanças e consolidação do serviço.


Com cerca de 90 mil habitantes hoje, São João del Rei possui apenas cinco defensores públicos atuantes na vara criminal, de família e sucessões. Não há defensor na vara civil. “A gente só faz a parte de pessoas que precisam de requerer medicamentos junto aos órgãos públicos”, explica nos mostrando claramente o papel social da profissão e a dificuldade de trabalhar com poucos profissionais.


Assim, a atuação do defensor público é um desafio. “A demanda aumentou muito nos últimos anos. De quando eu entrei na defensoria para agora, o número de pessoas que antes não precisavam de defensoria pública e que agora precisam aumentou muito”, alerta. De fato. Para se ter ideia, em dez anos, o número de habitantes saltou para cerca de seis mil a mais.


O trabalho árduo


Como se não bastasse toda dificuldade ocasionada pelo baixo número de profissionais, Cleiva ainda ressalta a época difícil em termos de mentalidade da população hoje. “Estamos vivendo um tempo de intolerância, principalmente em relação aos crimes. A defensoria tem que lutar muito para garantir junto às pessoas carentes o direito delas de defesa. Principalmente na área criminal”, pontua.


“Se tivéssemos mais defensores, teríamos um serviço de excelência”. Cleiva Isabel Detomi dos Santos

Muitas pessoas pensam que, depois de se cometer um crime, o indivíduo deve perder todos os seus direitos, segundo Cleiva. “Infelizmente, existe hoje uma pregação de lei e ordem, direito penal do inimigo, que se deve punir mais excessivamente aquele que comete crime sem se preocupar com a ressocialização, com a readaptação na vida em sociedade.”, analisa.


Lamenta às vezes encontrar resistência até dentro da própria casa, vinda de amigos e de parentes. "Porque eu estou no papel da defesa, tenho que defender o réu a qualquer custo, é um direito dele. Tá na constituição. Por isso, as pessoas tendem a achar que o trabalho do defensor público é errado”, explica Cleiva.


No início da carreira, a defensora pública lembra que voltava pra casa pesada, estressada, nervosa. A experiência lhe ensinou que não poderia deixar o trabalho afetar a vida pessoal. “Eu tento, a todo custo, chegar em casa e esquecer o meu trabalho. Não consigo muitas vezes. Tem que trabalhar fim de semana, tem que ver processo, tem que estudar, muita coisa pra fazer. Mas eu tento me desligar e dar atenção pro meu filho, pro meu marido e pra família”, diz.

No caso do defensor público a situação ainda é mais delicada do que para um advogado comum porque eles não podem escolher o caso. “Muitas vezes, nós somos vistos como defensores de bandidos, aquele que está errado, que quer colocar o povo na rua. Mas o que a gente quer é fazer valer os direitos da pessoa, fazer valer o que tá na lei. E se tá na lei deve ser cumprido”, conclui com determinação.


O acesso do cidadão mais pobre na pandemia.


Mesmo com todas as dificuldades, a defensora pública Cleiva, avalia positivamente o trabalho dos colegas e da instituição. O que falta não é qualidade, mas mão de obra. “Se tivéssemos mais defensores, teríamos um serviço de excelência”, afirma.


A realidade nacional da defensoria pública não é diferente. E com isso podemos dizer que o acesso do cidadão mais pobre a justiça é muito precário. Com a pandemia, a situação só piorou.


Ontem, 4 de agosto, a Agência Bori divulgou uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Segundo consta, o acesso do cidadão mais pobre a serviços de justiça tem sofrido impactos da pandemia de Covid-19 de acordo com 92,6% dos profissionais das Defensorias Públicas.


Foram escutados através de uma survey online 530 profissionais das Defensorias Públicas Estaduais e da Defensoria Pública da União de todas as regiões do Brasil entre os dias 23 de junho e 11 de julho de 2020. Os respondentes eram defensores públicos (43,4%), assessores (34,3%), estagiários (12,8%) e funcionários de outras carreiras (9,4%).


Quase metade destes profissionais (47%) acreditam que não estão conseguindo atender o público satisfatoriamente. Ao mesmo tempo, cerca de 80% dos respondentes acreditam que seu trabalho contribui para mitigar certos efeitos da pandemia na vida de seus assistidos.


Além do mais, o bem-estar destes profissionais parece ter sido, particularmente, afetado pela pandemia: 74% dos respondentes do survey acreditam que a situação trouxe impactos prejudiciais à sua saúde mental. E mais de 75% destes trabalhadores afirmam não ter recebido apoio para cuidar da sua saúde.


Desse jeito, a gente pergunta ao estado: a lei vale para quem?




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