O sopro da moda
- Daniela Mendes
- 27 de out.
- 6 min de leitura
Entre as ruas de Tiradentes, os shows de Copacabana e as salas de parto, o leque ressurge como um símbolo plural, espiritual, político e sensorial.

Moda não é só aquilo que dita a cor do vestido da estação ou o corte da calça da vez. Moda é comportamento, que vai do gesto à coreografia silenciosa do cotidiano. E o leque, esse objeto que atravessa séculos e fronteiras, voltou a tremular nas mãos de quem quer mais do que refrescar o calor: quer afirmar identidade, circular energia, provocar vento e presença.

Talvez, o artefato nunca tenha deixado este lugar. A comerciante de Barbacena, Maria Helena Passos, nunca sai de casa sem um leque na bolsa e reforça essa suposição. “Sinto muito calor”. O som seco das hastes faz parte da memória da dona de antiquário. “Minha tia tinha uma coleção. Eu ficava encantada com aquilo. Quando cresci, comecei a usar em festas, reuniões, qualquer lugar sem ventilação. ”
Aos 80, ela transformou o objeto em marca pessoal. Deu leques de lembrança em seu aniversário no lugar das lembrancinhas, e hoje tem tantos modelos quanto histórias. “Não tenho um preferido. Gosto de todos. Os amigos me trazem das viagens. São lindos! ”
Na bolsa de parto da doula Silvia Vilela há sempre um leque. “Ele é item obrigatório”, afirma. “Nos partos, o ambiente costuma ficar fechado, quente, e o leque ajuda muito. A gente abana entre as contrações, refresca o rosto da mulher, traz alívio. ” Mas há também o lado simbólico: “É um gesto de cuidado. Quando a doula abana, ela renova o ar. Às vezes, usamos o leque até para a mulher tirar uma foto”. Silvia explica que é porque ele cobre o corpo em determinado ângulo para poder postar uma foto nas redes sociais sem mostrar o corpo nu da grávida.
Ancestralidade e mística do leque
A ceramista e artista plástica “Rose Valverde” fala do leque como quem fala de uma herança espiritual. Para ela, o leque é muito mais antigo do que a Europa imagina. Ele vem da Índia, da África, dos povos ciganos, do Japão, da China e todos têm seu próprio jeito de “abanar o mundo”.

Rose começou a usar o leque durante a menopausa. “Esse é um que eu uso no meu dia a dia”. Mostra ela um modelo de poliéster, com rendas, mais comum no mercado. “Estava até na minha bolsa de viagem, quando vou levo ele. Porque, principalmente, no período da menopausa – meu Deus do céu! Eu e minha mãe, a gente usava o tempo inteiro”, diz sorrindo.
“Percebi que ele tem algo de ritual. Quando você abana, movimenta o vento e o vento é energia, é mudança, é Iansã. ”, fala enquanto se abana. E em outro momento nos leva a um cantinho espiritual da sua casa, que entre símbolos religiosos depositou um tipo de madeira de sândalo. "Esse era da minha mãe. Eu comprei pra ela quando montei uma loja indiana, de uma amiga. Depois de uns anos, ela me devolveu. Disse que aquele leque era mais meu do que dela. ”, apresenta com ares saudosos.
A mãe de Rose morreu há dois anos. As duas eram muito ligadas e tinham vários papos em comum, pois ambas pintavam e gostavam das mesmas coisas. O objeto ficou como herança e símbolo de continuidade. “Minha mãe era pintora. Tinha uma exposição chamada ‘Magia Cigana’, com mais de quarenta quadros. A cigana dançando, o cigano tocando violão. O leque aparecia em todos. É um objeto de muito poder. ”

A afinidade da mãe de Rose com o povo cigano era tanta que passou esse gosto para filha. Depois, quando a ceramista morou em Juiz de Fora, começou a dar aula pela prefeitura, e tinha um Centro de Cultura Cigana onde fez o curso de dança cigana em que se usava o leque.
“Então realmente tem a ver com a dança também. Não é só questão de refrescar. Essa questão da dança cigana com leque é muito ligada. E aí tem não só a raiz cigana, como a raiz também umbandista com a linha dos ciganos. Então, na verdade, algumas coisas se entrelaçam. É um objeto de muito poder, né? Muito forte! ”, define.
Rose lembra que, antigamente quando se usava o leque, as pessoas achavam que era uma coisa de velho. Mas considera o uso um gesto cultural e reconfortante. “Acredito que tem a ver também com o calor, tem a ver com a questão do momento que você vai abanando, o leque é uma coisa gostosa, de repente você ficar ali descansando a cabeça. Você vai longe”, define enquanto se abana e até fecha os olhos.
O leque e o corpo
Vanessa Lerman conheceu o leque pela necessidade, não pela moda. “Entrei na menopausa com 48 anos. De repente virei uma mulher quente, muito quente. ”
Aprecie a coleção de Vanessa Lerman:
O primeiro leque era simples, comprado por acaso. Depois vieram outros. Hoje, ela guarda uma pequena coleção que levou até o salão de beleza da Déia onde nos encontrou e mostrou os preferidos. Estavam num balde de gelo com a marca Veuve Clicquot. Ela diz que eles já ficam posicionados na entrada da casa. “Virei colecionadora sem perceber. Comecei a combinar o leque com a roupa. ”
O uso cotidiano virou marca pessoal. “As pessoas olham, comentam. Dizem: ‘Nossa, que lindo! ’ E eu respondo: ‘É, estou na menopausa mesmo. ’” Ela conta que quando começou a usar as irmãs questionavam: todo mundo vai saber que ela estava tendo os fogachos da idade. Mas ela não via por que se esconder. Vanessa transforma o gesto em empoderamento. “Por que esconder o calor do corpo? A menopausa é só mais uma fase, como a adolescência. Eu faço questão de mostrar. ”

Entre os exemplares preferidos, está um leque português com estampas de bananas: “meu xodó”. Outro de madeira escura herdado da mãe ela lamenta ter desaparecido. “Ele exalava o cheiro da madeira. Era um pedaço dela. ” Vanessa não esconde o prazer que o leque traz. “É sensual. Você se move diferente. O corpo dança junto com o ar.”
O leque na folia e na balada

No carnaval de Tiradentes, o educador físico e artista Ewerton Padilha Cristelli, o Teco, descobriu o leque como instrumento de percussão. “Um grupo de turistas gays apareceram num dos blocos todos fantasiados iguais e com seus leques. Quando a bateria tocava eles acompanhavam com o leque. A partir dali já fui logo providenciar o meu. ”
Comprou um leque arco-íris no show da Madonna em Copacabana e o trouxe para o carnaval daqui. “No carnaval em Tiradentes desse ano, o mesmo leque usado no Show da Madonna bateu muito a cada repique da bateria durante os diversos blocos que desciam para a praça. Chegou a ponto de dar calo nos dedos. Alguns chegando a sangrar. Nada que um esparadrapo não salvasse, mas o mais legal era conseguir sincronizar as batidas. ”

Depois foi ao show da Lady gaga, também em Copacabana. O leque definitivamente havia sido incorporado ao movimento LGBTQIAPN+. “A cada momento parecia uma verdadeira onda vindo de direções diferentes. Umas vezes vindo de trás, outras da frente. Mas era o som dos leques que vinham como o som de chuva se aproximando. ”
Teco ainda arrisca uma interpretação divertida: “Eu sempre vi o leque sendo usado na cena LGBTQIAPN+ por drag queens em suas performances icônicas e eu acho que são usados para chamar a atenção para algo que está por vir. O som do leque se abrindo é semelhante ao som da ave Peru macho abrindo suas penas para impressionar a fêmea quando está cortejando. Talvez tenha um pouco desse movimento também quando uma gay bate seu leque perto de outro macho”.
Da corte de Maria Antonieta às paradas do orgulho gay, o leque carrega a mesma coreografia: abrir, abanar, fechar. Um gesto antigo, reinventado em cada época. Hoje, ele está nas passarelas e nas ruas, nas festas e nos partos, no altar e no asfalto. Pode ser de seda, de plástico, de pluma ou de sândalo. Pode ventar alívio, desejo ou fé.
Nas mãos de quem o empunha, ora é só acessório, ora é amuleto ou artefato. Um objeto que sopra o passado e anuncia o futuro, o calor e o frescor, o corpo e o espírito. Quando o vento se move, algo muda. E o leque representa uma pequena revolução que cabe na palma da mão.




























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