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O estilo é o que te liberta

Atualizado: 26 de fev. de 2021

Essa é a lição que aprendemos com Heloísa Rocha, que nasceu sob o signo de uma fragilidade óssea, mas formou uma personalidade forte e hoje é uma das 76 mulheres de destaque da Revista Cláudia.

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Heloísa Rocha/ Foto arquivo pessoal

A gente poderia começar usando o dito popular de que “os melhores perfumes estão nos menores frascos” para fazer uma metáfora com essa mulher. Mas não conseguimos traduzi-la como pequena ao fazer a entrevista por vídeo conferência. O olhar, a atitude, desde as unhas, a camisa blue jeans, tudo em Heloísa Rocha consegue transmitir grandeza.


Talvez porque a jornalista cultive a coerência como premissa. Com isso, de vítima de uma doença rara, a osteogênese imperfeita, ela se tornou signo de originalidade. Com um corpo tido como frágil e fora da “normalidade”, ela fez uma ferramenta para se comunicar com o mundo, usando uma linguagem já consolidada e superou expectativas.


O segredo ela conta com descontração no seu instagram, o @modaemrodas e explica aqui como se formou em jornalismo. Traça a trajetória de uma sergipana que foi para São Paulo fazer mestrado com sonhos de atuar numa redação ao invés de ficar numa assessoria de serviço público.

Depois de cobrir eventos de moda e supervisionar alunos do curso de comunicação da Casper Líbero em grandes eventos, como o São Paulo Fashion Week e o Fashion Weekend Plus Size, ela idealizou o seu próprio projeto. Neste ano, expandiu a versão do @modaemrodas para o podcast e o disponibilizou também no YouTube e no Spotify.


Em março, foi escolhida pela Revista Cláudia como uma das 76 mulheres de destaque no Brasil e tem no currículo trabalhos de modelo também. Entrou, enfim, para um segmento que, na maioria das vezes, não olha para pessoas com deficiência. Porque tem este dom de ver aquilo que é lido como dificuldade, empecilho, como oportunidade e assim faz história.


Ao falar sobre si e sua condição, Heloísa quebra tabus e se posiciona também de uma forma política tão ampla, que achamos inviável resumir sua fala. Aprendemos tanto em uma hora e vamos compartilhar com você.


"Eu venho de uma família de classe média, então eles tiveram todos os recursos, tanto emocionais como educativos, para criar e receber uma criança com deficiência".

Mana: Como é isso, uma Sergipana em São Paulo, você numa cadeira de rodas, você veio para o sudeste estudar?


Heloísa Rocha: Antes de começar eu queria falar que eu sou uma pessoa privilegiada. Isso é importante destacar na matéria porque eu não posso ser considerada um exemplo em relação a milhares de pessoas com deficiência do Brasil. Eu venho de uma família de classe média, então eles tiveram todos os recursos, tanto emocionais como educativos, para criar e receber uma criança com deficiência.


Hoje, a falta de acessibilidade é geral no Brasil. Só que pra quem tem recursos a acessibilidade não é tão gritante quanto para quem não tem. Então, antes do meu nascimento, eu preciso explicar os meus pais. Meus pais são daqui de São Paulo. E meus pais se conheceram em São Paulo, na USP, num estágio, e se casaram. Meu pai, na época, passou num concurso nacional, como engenheiro da Petrobrás e foi transferido para o nordeste... Minha mãe foi junto. Ele tinha algumas opções, alguns estados, para trabalhar e aí ele decidiu fixar moradia em Sergipe e lá eu nasci.


Isso eu tô falando em 1984! Na época não foi detectada a minha deficiência no ultrassom. Eu nasci com uma doença rara que é a osteogênese imperfeita que tem como característica a fragilidade óssea. Então quando eu nasci meus pais não faziam ideia o que era a osteogênese. Eles nunca tinham ouvido falar. Apesar de ser uma doença genética e hereditária, a gente até hoje não tem conhecimento de quem eu tenha herdado e a gente não viu necessidade de descobrir.


Eu era um bebê muito frágil e os médicos diziam que não sabiam se eu iria sobreviver ou não. Tem esta questão que os meus pais tem curso superior... Meu pai começou a pesquisar tratamentos, como pacientes com osteogênese viviam. Ele começou a assinar um jornal americano por um tempo... E aí ele começou a entender a doença.


Viu que era uma doença que não tinha cura e decidiram que eu não viveria de hospital em hospital como muitas crianças com deficiência vivem. E que iam me proporcionar uma infância o mais normal (faz aspas com os dedos) possível. Que eu iria brincar, estudar como qualquer outra criança... Eu iria para uma escola como qualquer outra criança, entendeu?


Sempre, claro, muito conscientes que eu tinha fraturas... Então eu fazia quase tudo. Eu tenho noção, por exemplo, que eu não posso saltar de paraquedas. Mas isso não me impede de ter uma vida normal.


Meus pais dizem que as crianças questionavam na escola porque elas tinham que ir todos os dias. E eu questionava em casa porque eu ia uma vez por semana enquanto todo mundo ia todos os dias. E aí tanto a direção quanto os meus pais viram que não tinha problema e então eu poderia ir como qualquer criança.

Aí, no início da década de 1990, veio a necessidade de eu ser alfabetizada. Não existia Lei da Inclusão. A questão dos direitos da pessoa com deficiência começou a ser falada ali naquela época, mas era uma coisa muito primitiva. Ainda se falava portador de deficiência ou deficiente...

O que aconteceu? Eu não fiz aquele maternal. Sabe aquelas as séries que antecedem a alfabetização? Eu não fiz nenhuma. Fui direto pra alfabetização. Só que tinha uma questão lá em casa que era o seguinte: como ela vai para a escola? Como vai ser o convívio dela com outras crianças? Justamente por conta da fragilidade óssea.


Na adolescência eu ganho uma resistência muito maior por conta dos hormônios. Então eu tive uma infância com muitas fraturas, muitas quebras de ossos, que reduziram drasticamente com a adolescência. Então eu tenho uma resistência muito maior desde então.


Eu trabalho muito com a massa muscular. Eu faço natação. Agora não estou fazendo por causa da pandemia. Mas eu trabalho muito com o fortalecimento muscular porque, se eu fortaleço o músculo, eu protejo os ossos.

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Não sei como será a terceira idade. Porque no caso da mulher tem a questão da osteoporose. O idoso tem por natureza uma perda de cálcio. Então pode ser que isso se potencialize para mim na terceira idade.


Mas aí, voltando... (risos) Meus pais optaram por eu ser alfabetizada em casa. Contrataram uma professora particular. Só que para eu ser reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), pra mostrar que eu estava me formando, passando de ano, havia a necessidade que eu fizesse as provas numa instituição regular.

E aí começou a busca de uma escola que aceitasse isso. E na época, mesmo sendo instruídos, não existia internet... Eu imagino que não seria fácil... Eu estou falando de escola particular, tá Dani?


Não queriam me aceitar. Alegavam que não estavam preparados para receber uma criança especial. Até que teve uma que tinha uma metodologia um pouco mais diferenciada. Mas não era uma escola especial, destinada só para pessoas com deficiência. Era uma escola normal que tinha uma pedagogia diferente. E inclusive era uma das mais caras.

Então eu era uma menina cheia de sonhos, com vontade de redação, de ter experiências próprias... Eu não queria ficar nessa de um cargo comissionado, uma vaga instável, que mudando o governo muda tudo... Eu não me via naquilo, tá?

A diretora, que tinha a cabeça mais aberta, falou para os meus pais que era importante que eu também convivesse com outras crianças para o meu desenvolvimento. Porque o brincar também é uma forma de aprendizado, o convívio né? Aí chegaram à conclusão que eu iria uma vez por semana na escola. Fui matriculada, ia pra aula uma vez por semana e o resto dos dias eu iria ter aula em casa.


Só que a minha ida pra escola foi uma coisa muito natural. Não foi nada programado como eles estavam pensando... Eu me adaptei muito bem a sala de aula e a sala de aula se adaptou muito bem a mim. Por isso é tão importante o convívio das crianças com pessoas com deficiência logo cedo, entendeu?


Meus pais dizem que as crianças questionavam na escola porque elas tinham que ir todos os dias. E eu questionava em casa porque eu ia uma vez por semana enquanto todo mundo ia todos os dias. E aí tanto a direção quanto os meus pais viram que não tinha problema e então eu poderia ir como qualquer criança. Completei o ensino fundamental, médio e fiz o curso de jornalismo.

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Heloísa Rocha/ Arquivo Pessoal

No último ano, eu já estagiava. Estava estagiando na prefeitura local, na Secretaria de Comunicação (SECOM), era um estágio bom e, claro, com muita luta. Não foi fácil no início pra trabalhar. Eu tive a proposta de ser efetivada como cargo comissionado... Eu tinha vinte e poucos anos...


Então eu era uma menina cheia de sonhos, com vontade de redação, de ter experiências próprias... Eu não queria ficar nessa de um cargo comissionado, uma vaga instável, que mudando o governo muda tudo... Eu não me via naquilo, tá? Sou muito grata por eles terem me oferecido mas...


Também eu sabia pela minha dificuldade que eu não conseguiria atuar como jornalista. Aí minha solução foi: eu vou pra São Paulo, porque a gente sabe que na área as oportunidades estão aqui, e eu já tinha minha base familiar aqui. Conversei com os meus pais e disse: vou fazer um mestrado e vou tentar concurso público.


Era o caminho que eu achava mais fácil. Mesmo porque a gente sabe que no caminho das pessoas com deficiência a escolaridade ainda é baixa. Então uma pessoa com deficiência com mestrado, com curso superior, era muito pequena a chance. Então eu vi uma possibilidade ali de entrar no mercado, de me destacar.


Então como eu vinha da menor capital para a maior capital, eu fiquei um pouco com medo né? Dessa adaptação. E aí para minha surpresa, tudo que eu tinha planejado não aconteceu.

Eu tinha um ritmo muito frenético em Aracaju, trabalhava, estudava... Tinha uma vida social muito ativa, muitos amigos... Sempre fui uma pessoa muito sociável, sempre fui de estar em grupos, de sair de quinta a domingo... Eu tinha uma rotina de uma jovem normal. Eu em São Paulo não tinha ninguém, eu tive que recomeçar tudo de novo. Era um choque. E eu estava fazendo a pós.


Eu falava... “Gente, eu preciso fazer alguma coisa”. Em Aracaju, eu estava trabalhando, eu estava independente. Eu tinha voltado a depender do meu pai pra tudo. Por mais que meu pai me desse dinheiro, eu estava acostumada em Aracaju, se tivesse uma roupa eu comprava, pagava meu celular, minhas coisas eram minhas... Eu não tinha que ficar pedindo dinheiro pra tudo. Eu falei: “Poxa, voltar a pedir dinheiro é...”.


Eu estava na Cásper Líbero aqui em São Paulo. A primeira faculdade de jornalismo do Brasil, bastante reconhecida...

Eu percebi pela experiência da São Paulo Fashion Week... Quando eu comecei a perceber pela falta de representatividade da época... 2002, 2006... onze... que eu era a única pessoa com deficiência naquele ambiente, e o quanto eu chamava atenção por isso...

Mana: A pós era em moda?


Heloísa Rocha: Não, jornalismo. Eu nem... Eu estava preocupada em me estabelecer em São Paulo. E aí eu conheci um professor lá na Cásper que era coordenador de uma rádio universitária, que também era aberta aos alunos da pós. Aí eu falei... Eu nunca trabalhei em rádio, não tô fazendo nada, e aí eu falei bem assim... Vou começar a trabalhar lá, pelo menos eu ganho uma experiência com rádio no meu currículo e começo a conhecer as pessoas... Vou fazendo uma rede né?


Aí um dia o professor falou assim: eu tenho uma cobertura no Teleton. Você quer ir comigo?


Teleton é uma maratona televisiva brasileira anualmente exibida pelo SBT e pela TV Cultura em prol da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). A emissora cede, a cada ano, sempre por volta do final de outubro e início de novembro cerca de 26 horas de sua programação.


Eu falei... Quero! Aí imagina, uma menina de vinte e poucos anos, tinha acabado de chegar em São Paulo, ter a oportunidade de cobrir um evento nacional como o Teleton... E aí eu fiz o meu melhor.


Eu já tinha experiência... Dei o meu melhor mas não sabia que ele estava me avaliando. Achei que ele só estava me acompanhando. Quando eu terminei tudo, entreguei a matéria, ele me chamou e falou: olha, eu tenho uma vaga de redatora aqui e a gente precisa preencher as cotas. E eu falei: eu preciso de um emprego. E aí eu fui contratada. E aí eu tô até hoje!


Mana: Mas me conta da moda... Quando a moda veio entrar nisso?


...Heloísa explica que, hoje, na rádio da Cásper Líbero, trabalha com formação de alunos. Então seu trabalho tem essa preocupação de ensinar a prática, a postura, o roteiro, etc, junto de outros profissionais para colocar o aluno na prática do mercado de trabalho. Muitos jornalistas que passaram por lá, se tornaram amigos dela e estão nos grandes jornais... Depois dessa introdução, ela continua a dar a resposta.


Heloísa Rocha: Eu sempre fui daquelas que gostava mais de política, gostava mais de matérias de comportamento... Então todas as produções de moda, eu passei a supervisionar. Eu era uma pessoa muito vaidosa.

Não gosto nem dessa palavra ativista nem que eu sou uma influenciadora digital. Eu não quero que as pessoas se influenciem comigo. Eu quero que elas se inspirem. Eu não quero influenciar ninguém.

Mana: Era né? Você é. risos


Heloísa Rocha: Mas quando eu comecei a supervisionar essas produções, eu tive que começar mesmo a estudar a moda. Entender a história, a tendência, compreender o desfile, a conhecer os nomes dos estilistas, qual a proposta de cada um, qual a linha de cada um...


E comecei a acompanhar os meninos na São Paulo Fashion Week. Por eu ter estudado tanto moda, eu passei a me apaixonar pelo tema. E comecei a acompanhar revistas de moda, acompanhar o desfile, especialistas sobre o assunto... Foi virando um hobby mesmo, uma paixão.


Quando eu fiz 30 anos, eu já estava muito bem estabelecida aqui, eu já tinha dominado o que eu fazia na rádio, eu já tinha um grupo de amigos... Eu senti uma vontade de criar um projeto pessoal. Queria algo que eu dissesse: “é meu”. E aí veio o Moda em Rodas.


Eu estudei, analisei, pensei... Eu percebi pela experiência da São Paulo Fashion Week... Quando eu comecei a perceber pela falta de representatividade da época... 2002, 2006... onze... que eu era a única pessoa com deficiência naquele ambiente, e o quanto eu chamava atenção por isso... Mas isso não é mais uma realidade, tá? A moda hoje está aos poucos mudando...

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Heloísa Rocha/ Arquivo Pessoal

Mana: Você acha que a moda está ficando mais inclusiva?

Heloísa Rocha: Eu acho que a moda está começando a tomar consciência que ela tem que mudar porque a sociedade está mudando a sua forma de pensar. Então ela está se vendo obrigada a fazer isso e a internet contribuiu.


Mana: Então o moda em rodas é um trabalho de ativismo? Você se considera uma ativista?


Heloísa Rocha: Não, não me considero uma ativista. Porque eu acho que ativista é uma coisa que trabalha, levanta bandeira, cria ideologia, cria filosofias e não é isso. O @modaemrodas é muito mais leve nesse ponto. Eu acho que é um espaço social de trabalho... Ele tem uma responsabilidade social de promover esse novo olhar. A moda como comunicação. Então eu me considero uma defensora...


Mana: Por isso eu perguntei, porque depois eu poderia me referir a você com essa palavra e você não gostaria...


Heloísa Rocha: Não, não gosto. Não gosto nem dessa palavra ativista nem que eu sou uma influenciadora digital. Eu não quero que as pessoas se influenciem comigo. Eu quero que elas se inspirem. Eu não quero influenciar ninguém.


Mana: Você quer despertar uma consciência?


Heloísa Rocha: Eu quero despertar um novo olhar das empresas e meios de comunicação sobre a necessidade de fazer um novo tema, inovar, não a forma da linguagem, mas na questão da diversidade, na questão da moda inclusiva... E fazer com que as pessoas com deficiência entendam que elas tem que estar presente ali naquele setor.

Quando as pessoas acreditam que é uma obrigação ter que estar dentro de um padrão, a moda, o estilo, está se tornando uma impotência. Porque você está buscando uma moda, um estilo que você não é.

Mana: Quando você fala essas coisas, passa a ideia de que a moda tem um papel no cotidiano das pessoas. Como você concebe esse papel da moda?


Heloísa Rocha: Desde a hora que você acorda até a hora que vai dormir, você pensa em moda mesmo que você não perceba isso. Porque você acorda e vai pensar que roupa você vai usar. E a roupa que você vai usar é muito caracterizada na imagem que você quer passar. Então moda representa aquele seu humor daquele dia, a personalidade daquele dia, o grupo ao qual você pertence. Então ela é um movimento de comunicação constante.


Mana: Agora eu percebo que tem umas mulheres, além das mulheres com deficiência, que tem dificuldade de encontrar um estilo. Que dica você daria para estas mulheres? Como é que se tem estilo?


Heloísa Rocha: Eu acho que primeiro a gente tem que acabar com essa impressão do que é estilo. Quando a gente fala em estilo, a gente acha que tem que ser fashionista, ter que entender moda, ter que estar na moda, ter que seguir todas as tendências. Estilo não é isso. Quando as pessoas acreditam que é uma obrigação ter que estar dentro de um padrão, a moda, o estilo, está se tornando uma impotência. Porque você está buscando uma moda, um estilo que você não é.

muitas meninas ficam trancadas em casa e não tem alguém com quem conversar sobre estilo, sobre moda, sobre assuntos que saiam dessa rotina de cadeira de rodas, fisioterapia...

Mana: E qual o segredo para as mulheres encontrarem o que elas são no modo de vestir?


Heloísa Rocha: Primeiro eu acho que elas tem que se conhecer, de dentro pra fora. Quem você é? Que personagem você é? Você é uma pessoa mais séria? Você é uma pessoa mais extrovertida? Você é uma pessoa que quer chamar atenção? Você é uma pessoa tímida? Você é uma pessoa mais romântica? Você é uma pessoa mais roqueira? O que você gosta? Entendeu? Porque muitas vezes a pessoa se veste floral mas na verdade ela é hardcore. Aí ela realmente não se sente representada pelo símbolo que ela está se expressando, entendeu?


Então a primeira coisa é ela fazer um trabalho de autoconhecimento. Esquecer esse negócio de... Ai, modelo, celebridade... De ser essa pessoa. Recomendo começar a se olhar no espelho, começar a fazer as pazes com o corpo, começar a entender suas rugas, começar a entender suas imperfeições, se tocar, se amar, se valorizar, se expressar.


Olha, a moda é teste. Passa um dia, se divirta! Vou entrar numa loja e experimentar um monte de roupa ruim... Aí você vai percebendo que não é todo estilo que fica bem na gente. A partir do momento que você olha no espelho e você gosta ou... “olha, eu gostei disso aqui, tem tudo a ver comigo”. Esse é o estilo que eu quero representar.


O problema das pessoas, das mulheres, é que essa aceitação ela tenta buscar de um terceiro. A primeira pessoa que vai amar você é você mesmo. Não são os outros. Se você não se ama, porque os outros tem que te amar?

Quando a gente representa a pessoa com deficiência na moda, a gente mostra que as pessoas, independente dos seus corpos são pessoas que podem estar bem com sua qualidade de vida, podem ditar tendência e que são pessoas que são consumidoras como qualquer outra.

Mana: E essa dica que você dá foi o tipo de percepção que você teve para você? E que tipos de dificuldades as mulheres com deficiência costumam ter na hora de lidar com a moda? Queria que você partisse de uma experiência pessoal para falar de uma condição social...


Heloísa Rocha: Eu tive o privilégio de novo! Eu sou sobrinha e neta de costureira, né? Então essa questão pra mim, mesmo que eu não saiba costurar, esse processo de vaidade, da moda, de gostar, foram elas...


Especialmente essa tia que me ajudou a entender o meu corpo e entender meu estilo. Então ela me dava esses toques, ela ia me ensinando... Muito do que eu aprendi com ela é o que eu faço no @modaemrodas.


Muitas não tiveram essa oportunidade que eu tive. São muitas! Muitas não conversam com suas mães, são isoladas socialmente, infelizmente, por causa da própria deficiência, por causa do preconceito da sociedade, muitas meninas ficam trancadas em casa e não tem alguém com quem conversar sobre estilo, sobre moda, sobre assuntos que saiam dessa rotina de cadeira de rodas, fisioterapia...

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Heloísa Rocha/ Arquivo Pessoal

Porque você pensa que o universo da pessoa com deficiência é só isso né? E a dificuldade, Daniela... Eu não sei como te dizer completamente porque, assim: cada deficiência é um tipo de necessidade de adaptação, tá? Então a necessidade de uma pessoa com deficiência visual é uma; a necessidade de uma pessoa com deficiência física é outra... E mesmo assim uma pessoa usa muletas, outra fica numa cadeira de rodas, tem diferença.


No meu podcast eu fiz uma série longa dessas pessoas para terem voz, para entender a necessidade de cada uma, né? E eu consegui ver assim: a importância de ter uma modelagem centrada com algum tipo de deficiência é o seguinte: primeiro, é a qualidade de vida dessa pessoa. Porque a depender de certo tipo de limitação, uma pessoa gasta de duas a três vezes mais para se vestir. E isso impacta diretamente na vida dela ou ela tem que ter um cuidador e alguém que a vista.


Você imagina: para ela ir trabalhar, ela tem que ficar acordando bem mais cedo porque ela tem dificuldade de colocar uma roupa. E isso impede, é claro, dela ter uma vida social. Como é que ela vai para um bar, para um restaurante ou uma balada que não tenha um banheiro acessível? Como é que ela vai trocar de roupa, quando tiver uma situação... Ela vai ter sempre que pedir ajuda pra alguém? Ela não se sente confortável, então por conta da roupa ela acaba se isolando.


Você vai ver questões que determinados tipos de roupa machuca, pode machucar a pele... Uma pessoa com deficiência visual tem que ter uma etiqueta em braile... Imagina, ele não sabe que roupa ele colocou dentro da mala. Ele tem que toda vez que alguém escolha a roupa dele porque ele quer usar uma roupa vermelha e não sabe se é vermelho ou não.

Então tem que ter essa qualidade de vida, essa independência... E claro! Quando a gente representa a pessoa com deficiência na moda, a gente mostra que as pessoas, independente dos seus corpos são pessoas que podem estar bem com sua qualidade de vida, podem ditar tendência e que são pessoas que são consumidoras como qualquer outra.


Se vocês querem uma reforma, uma mudança, que acabe com os padrões, que acabe com esses movimentos criados pela sociedade, então parem de consumir isso.

Mana: E a questão da elegância? Porque a gente falou de estilo, então agora eu gostaria que você definisse elegância. Se você tem alguma dica, alguma chave, para você estar sempre elegante. Alguma coisa específica para passar para nossas leitoras?


Heloísa Rocha: Olha, elegância tem muito a ver com você estar bem consigo mesmo. Não tem nada pior você estar naquela roupa e não estar confortável consigo mesmo. Aí você está totalmente desajeitada, você não consegue se mexer... E aí vira uma bola de neve e você vai ficar desconfortável, fora o natural do que você é. Então se eu tenho alguma fórmula é você estar confortável e bem naquela roupa que você escolheu.


Particularmente tem alguns truques, que são coringas né? Para estar elegante. Então, sei lá... Se você tem um evento e você não sabe o que vestir, opte por uma determinada roupa neutra. Tenha o seu coringa de todo dia, entendeu?


E eu sempre acho que menos é mais. Então se você acha que vai errar, acha que vai ficar com medo de fazer feio, então não inventa muito. Aposte naquilo que você sabe. Sabe aquele basiquinho que você sabe que vai ficar bom? Fica com aquilo. Porque se você ousar demais e não está se sentindo segura pra ocasião, então você vai naquilo que você sabe que não tem erro.

A diferença da moda inclusiva é que ela trabalha com design inclusivo. Quando você projeta algo, um local, um espaço, digital ou não, ou objeto que atenda a todos. Não só a mim, mas a você também, a quem é alta, a quem é magra, que é baixa...

Mana: Diante disso tudo que você falou, o padrão é o inimigo da mulher? E como você acha que elas podem enfrentar isso? Porque acaba que tem uma pressão muito alta da sociedade.


Heloísa Rocha: Falando em relação a sociedade... A sociedade cria as coisas para refletir ela própria. Então a indústria usa disso pra vender.


O que eu acho que as mulheres podem fazer... Se vocês querem uma reforma, uma mudança, que acabe com os padrões, que acabe com esses movimentos criados pela sociedade, então parem de consumir isso.


Por exemplo, critica-se a influencer tal que fica postando foto de biquíni com seu corpo trincado, com seus cabelos loiros, lisos ou ondulados, com aquela vista paradisíaca, e você pensando, querendo ter aquele life style (estilo de vida) e aquele corpo... Como você quer acabar com esse padrão se você fica dando audiência pra isso? Então o padrão só vai acabar quando a gente parar de consumi-lo.


E a internet é o que movimenta ele hoje. Se as pessoas não conseguirem abrir a cabeça e entender que só depende de nós, não adianta, a indústria vai acabar se aproveitando. Porque eu tenho milhões de seguidores aqui que estão seguindo aquilo que eu digo e aquilo que eu quero.


Para de consumir isso. Por que a gente dá tanta audiência pra isso? E ficam as influenciadoras ganhando rios de dinheiro com patrocínio e vendendo uma vida tão... (faz uma pausa pra pensar)


Mana: Irreal?


Heloísa Rocha: Superficial.


Mana: Agora, eu queria que você explicasse um pouco a moda inclusiva.


A acessibilidade da marca não está só na roupa, tá? Uma pessoa com deficiência ela consegue entrar numa loja? A pessoa consegue experimentar uma peça? O atendente foi treinado para atender uma pessoa com deficiência? Meu site está adaptado e tem todas as ferramentas acessíveis para que a pessoa efetue uma compra sem problema? Não é só a peça! Faz parte da venda.

Heloísa Rocha: A moda inclusiva é hoje o termo utilizado nacionalmente para direcionar a moda para a pessoa com deficiência, tá? A moda pensada, trabalhada, nesse tipo de corpo. Mas a moda inclusiva é um nicho que trabalha com a diversidade dos corpos. Então não é só o corpo com deficiência.


O corpo gordo é um corpo diverso. O 60 e 70 mais é um corpo diverso. A diferença da moda inclusiva é que ela trabalha com design inclusivo. Quando você projeta algo, um local, um espaço, digital ou não, ou objeto que atenda a todos. Não só a mim, mas a você também, a quem é alta, a quem é magra, que é baixa...


Então, por exemplo, uma etiqueta em braile, que indica a cor, mas não vai fazer diferença se vai estar naquela peça ou não. Entende? Você vai poder usar da mesma forma. Então quando a gente projeta uma peça e envolve o maior número de corpos possíveis.


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Heloísa Rocha/ Arquivo Pessoal

Mana: Aqui (microrregião de São João del Rei) não temos lojas assim. Aí (São Paulo) tem lojas assim? Imagino que tenha mas gostaria da sua visão quanto a isso... Outra coisa: Você acha que esse segmento é um bom investimento hoje em moda inclusiva? Aconselharia a mulheres empreendedoras?


Heloísa Rocha: Vamos lá. Temos lojas voltadas, que pensam na pessoa com deficiência. Não são muitas comparado ao número populacional. Quase todas elas estão no e-commerce.


É uma indústria muito muito muito muito pequena. Pouco valorizada pelas pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência às vezes nem sabem que existe. As pessoas com deficiência ainda não se revelaram na internet. Então este é o problema hoje da população com deficiência. Eu acho que ainda está num nível muito educacional e pouco prático.


Hoje vou dizer invista? Olha, Tem um custo pra você investir numa empresa. Dedicada à pessoa com deficiência é o seguinte: é um grupo muito heterogêneo. Muito, muito heterogêneo. Então a gente pode separar em cinco grandes grupos: intelectual, físico, visual, auditivo e múltiplo... Enfim, é quando a pessoa tem uma ou mais deficiência.


E mesmo assim, cada adaptação destes grupos, são coisas muito específicas. Só a população com nanismo, somos diversos tipos no mundo. Então uma marca nunca consegue uma adaptação muito grande. Se conseguir me conta o segredo porque eu não sei como.


Só o que a pessoa pode fazer? Um. Escolher um tipo de deficiência para trabalhar. Para você aprofundar, estudar o corpo, estudar modelagem, diferentes estilos, dizer eu sou uma pessoa que trabalha com paraplégico. Pronto. Dois. Ter uma marca especializada num único tipo de produto. Exemplo: Sou uma marca especializada em camisas e atendo a todo tipo de corpo. Ou, e eu acho mais provável, você não precisa ter uma marca ou produtos para contemplar pessoas com deficiência. Mas você ter uma marca que tem empatia com o corpo diverso.


Por exemplo, se eu receber um cliente com deficiência de que forma eu posso receber, atender as necessidades dele? Será que eu não posso pegar a minha peça e fazer uma adaptação? E aí ele poder sair com um produto meu mas que ele vai se sentir bem... Porque ele vai ser atendido com exclusividade. Eu vou tratar o meu cliente como especial. Não especial de ser coitadinho. É criar uma fidelidade.

A acessibilidade da marca não está só na roupa, tá? Uma pessoa com deficiência ela consegue entrar numa loja? A pessoa consegue experimentar uma peça? O atendente foi treinado para atender uma pessoa com deficiência? Meu site está adaptado e tem todas as ferramentas acessíveis para que a pessoa efetue uma compra sem problema? Não é só a peça! Faz parte da venda.


Mana: E você acha que tem um estilista ou uma loja que se aproxime destas condições que você está falando? Você citaria alguém que você goste?


Heloísa Rocha: Olha, eu admiro alguns trabalhos que estão sendo feitos. A gente tem a Angels Grace aqui em São Paulo. A gente tem a Aria. Tem a Freeda em Minas Gerais... Tem a Equal no Rio de Janeiro. Tem a Costura do Imaginário. Tem o Lado B. Então tem, tem algumas marcas... Mas comparado a demanda ela tá muito aqui no eixo sul e sudeste, tá? Eu não conheço nenhuma no centro oeste, norte e nordeste.


Mana: Você tem alguma preferida?


Heloísa Rocha: É uma coisa muito particular. Porque se eu falar alguma preferida, eu vou falar aquelas com a que eu tenho mais contato, entendeu? Eu já modelei pra Equal, entendeu? Então eu conheço a roupa, o estilo... Por outro lado eu não conheço muito o trabalho da Freeda... Aí fica... Aí vou dizer a Equal é melhor... Então... Eu não tenho uma preferência, cada uma tem seu DNA. Só do trabalho que elas fazem eu já bato palmas. Não tenho preferência não. Todas elas eu cito por igual. Ah, tem a Iguall também que eu não falei. Tem a Equal e a Iguall.


Mana: Alguma coisa que eu não te perguntei que você gostaria de acrescentar?


Heloísa Rocha: Que quem estiver lendo comece a entender que essa mudança ela tem que ser necessária porque qualquer um, da noite pro dia, pode adquirir uma deficiência. Não é só aqueles que nascem. A gente tem um número de pessoas, infelizmente, por causa de acidente de carro, acidente de trabalho, acabam adquirindo uma deficiência. E quando a gente fala de cego, de ajuda para pessoas se vestirem, não é só para pessoas com deficiência. Todo mundo vai envelhecer. Ninguém é jovem para a vida inteira. E com a idade chegando a mobilidade fica mais delicada. A gente sabe que a visão fica mais difícil, a visão também.


Então é necessário esse tipo de moda, esse tipo de acessibilidade, quebrar essas barreiras, esse tipo de mudanças nas lojas pra atendimento, porque não é só para quem estiver de cadeira de rodas. É para qualquer um que estiver lendo. Porque qualquer um amanhã pode depender de uma moda dessas e, quando acontecer, vai notar, da noite pro dia, que a roupa que ela tem dentro do armário não mais te serve. E vai entender que fazer compras não é tão prazeroso como era antes.


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