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O jornalismo em quadrinhos de Gabriela Güllich.

Aos 22 anos, ela já publicou um livro sobre o Rio São Francisco, desenhou a vida das mulheres do campo no sul da Paraíba e até aplicou o gênero no estágio de assessoria de comunicação.

foto divulgação/ Gabriela Gülliche
foto divulgação/ Gabriela Güllich

Vamos utilizar a imagem, como Gabriela Güllich usa no jornalismo em quadrinhos, para revelar um pouco como foi nossa conversa. Evocaremos a cena de uma menininha assistindo TV encantada com a repórter Glória Maria. Só que cada um de vocês desenharão a cena diferente de acordo com cada imaginação.


“Quando ela (Glória Maria) passava na TV e ia para todos estes lugares que eu nunca tinha ouvido falar, conversava com tanta gente diferente... Acredito que essa foi minha maior referência”, recorda Güllich.


Como a conversa se deu por celular, não podemos dizer exatamente o tom que ela usou ao revelar a pré-história da sua jornada profissional. Nem tampouco podemos saber a roupa que usava e os gestos que fazia. Mas se você lesse a entrevista em quadrinhos, saberia.


De novo, imaginamos. Dessa vez, seu eu adulto foi deixando a menina a cada ano somado na narrativa. E na medida que aproximávamos do presente, começávamos a abandonar a nossa imaginação de cenas por alguns trechos de reportagens descritas e desenhadas por Gabriela Güllich.


Entendeu ou quer que desenhe? Por ela, tudo bem!


O desenho é um dom natural que, no entanto, Güllich não encarou como uma espécie de vocação profissional a princípio. Fazia aulas porque se divertia, como hobby. Quando chegou aos 15 anos, um professor fã do Batman, lhe emprestou uns quadrinhos e despertou nela o interesse pela narrativa sequencial.


Gabriela reproduzia capas e páginas do filantropo Bruce Wayne, que vestido de homem morcego, à noite lutava contra vilões e bandidos. Enquanto redesenhava as tramas investigativas, se aprofundava na estrutura narrativa.

“Tem como fazer entrevistas em quadrinhos em veículos de mídia digital, tem reportagens em quadrinhos que permitem até uma junção de mídias... Você consegue colocar animações, vídeos, numa reportagem multimídia que pode muito bem utilizar ilustração na narrativa. Então o jornalismo em quadrinhos oferece várias utilidades”. Gabriela Güllich

Na faculdade, Gabriela encontraria um jeito de unir o hobby à profissão escolhida. Já por volta de seis meses ou um ano de curso, foi atrás dos quadrinhos na aula de pesquisa aplicada a comunicação, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


Era basicamente uma disciplina de produção de artigos. Mas, para sair do básico, foi buscar algo diferente como objeto. “Procurei algo como jornalismo ilustrado e a primeira coisa que apareceu foi o “Palestina”, do Joe Sacco. E aí foi meu primeiro contato com jornalismo em quadrinhos. Eu comecei a estudar mais isso... Um começo bem focado na obra dele...".


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Carol Ito

Depois deste primeiro contato, Gabriela procurou mais referências. Encontrou “Persépolis”, de Marjane Satrapi e jornalistas quadrinistas do Brasil. “Aí eu dei de cara com o TCC (trabalho de conclusão de curso) da Carol Ito, o “Estilhaço”, o “Raul”, do Alexandre de Maio... Fui voltando minha pesquisa acadêmica toda para essa área de narrativas gráficas e não ficcionais”, diz.


Agora, como jornalista formada, ela vê muitos caminhos para trilhar. “Tem como fazer entrevistas em quadrinhos em veículos de mídia digital, tem reportagens em quadrinhos que permitem até uma junção de mídias... Você consegue colocar animações, vídeos, numa reportagem multimídia que pode muito bem utilizar ilustração na narrativa. Então o jornalismo em quadrinhos oferece várias utilidades”.


Quem faz diferente chega antes


Ainda na faculdade, o primeiro trabalho veio para o Sesc Paraíba em 2018. Gabriela fez uma história em quadrinhos que traz o relato humanizado de quatro pessoas beneficiárias da instituição. “Quatro Cantos de um Todo” foi um projeto final do estágio em assessoria de comunicação selecionado pelo Departamento Nacional do Sesc, que fica no Rio de Janeiro.

O lançamento teve uma boa repercussão e aconteceu tanto no hotel do Sesc em João Pessoa quanto na capital carioca durante o seminário de Bolsa e Estágio do Sesc. E daí, como esperado,o trabalho de conclusão de curso (TCC) de Güllich foi também um produto dos seus estudos de jornalismo em quadrinhos.


Antes de Gabriela, ninguém no curso de jornalismo da UFPB, havia feito um TCC neste formato. Ela fez a reportagem “Filhas do Campo: Um Retrato em Quadrinhos de Agricultoras Assentadas na Paraíba”. O trabalho deu tanto um panorama econômico e político da região sul daquele estado quanto retratou a vida e os sonhos das trabalhadoras rurais.

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Reportagem do TCC de Gabriela Güllich

O TCC foi assunto no G1, podcasts e outras mídias especializadas no assunto. Güllich já estreou na profissão com o traço do pioneirismo. A reportagem foi publicada na Badaró, revista referência do gênero no Brasil, que também a incluiu numa lista das seis mulheres que fazem jornalismo em quadrinhos no Brasil ao lado de Ito, que ela havia lido na faculdade, e ainda Amanda Ribeiro, Cecília Marins, Helô D’Angelo e Marina Duarte.


Desenho e fotografia para falar do Velho Chico


Güllich e o fotógrafo João Velozo se conheceram pela internet e começaram a trabalhar juntos. Um de Recife e outra em João Pessoa, com a parceria de foto e texto em publicações como a Vice Brasil e Deutsche Welle.


Foi de Velozo a ideia de falar sobre o Rio São Francisco num livro. Era um plano vago, sem pauta concreta, num primeiro momento. “Nessa época eu já desenhava mas não tinha publicado nenhum quadrinho. Ele sugeriu que a gente fizesse algo juntando meu desenho e a fotografia dele”, lembra e revela que, à princípio, unir o preto e branco da fotografia do colega com o desenho era a única coisa definida.

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Trecho de São Francisco cedido por Güllich

Quase dois anos depois do trabalho para o Sesc, eles se sentaram e realizaram a programação do trabalho. Discutiram a pauta e decidiram em quais cidades iriam... Também foi necessário pensar no tempo para calcular um orçamento. Afinal, o projeto independente não tinha verba. Depois ainda teriam que gastar com a impressão do livro, que viabilizaram por financiamento coletivo.


O percurso do São Francisco


Pé na estrada e gastaram cerca de 20 dias rodando pelo interior da Paraíba e Pernambuco. A lógica da rota era a transposição do Rio São Francisco. Gabriela explica que a obra tem dois eixos: o leste, que vai de Floresta a Monteiro. E o norte, que pega o início de Pernambuco até o Ceará.


Como o eixo leste estava mais perto de finalizar, só restando as obras complementares, eles escolheram esta parte. Percorreram de Belém do São Francisco, cidade pernambucana banhada pelo Velho Chico, até Monteiro, na Paraíba. “Inclusive no livro a gente vai até o ramal do agreste, que vai até uma obra complementar em Sertania. E aí a gente queria pegar esse trecho menor primeiro pelos recursos que a gente tinha”, explica.


“A gente vê muita propaganda positiva sobre a transposição. Porque a ideia dela é uma ideia fantástica. Mas de perto, acompanhando a execução, dá pra entender as falhas e onde o projeto precisava ter sido mais bem cuidado. Mais bem elaborado”. Gabriela Güllich
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Através das obras já adiantadas, eles julgaram ser possível registrar também como a transposição do Rio São Francisco afeta a vida da população por ali. “E aí a gente começa em Belém de São Francisco porque a cidade vizinha é Floresta e porque Belém é banhada pelo rio São Francisco. E lá a gente começa o capítulo sobre a água”, narra Gabriela como quem traça um mapa mental.


Ela explica também que o quadrinho não é somente sobre a transposição do Rio São Francisco. Embora, tenha sido um fator decisivo da rota, a obra é o terceiro capítulo do livro somente. “A gente fala sobre a água, a gente fala sobre a seca e depois a construção da transposição do rio”, revela. (Mapa: Senado Notícias)


O que se vê com os olhos e a sensibilidade


Visitando de perto a transposição do Rio São Francisco e ao se colocar atenta para as complexas questões da região, Güllich diz que ampliou sua visão sobre a obra. “A gente vê muita propaganda positiva sobre a transposição. Porque a ideia dela é uma ideia fantástica. Mas de perto, acompanhando a execução, dá pra entender as falhas e onde o projeto precisava ter sido mais bem cuidado. Mais bem elaborado”.

A jornalista também chama atenção para o fato de que certas realidades precisam ser conhecidas de perto antes de se fazer qualquer julgamento. “Então eu não tinha uma visão de perto porque eu morava em João Pessoa. E tantos benefícios quanto malefícios da obra não afetam diretamente a capital. Só indo nas cidades e ouvindo as pessoas que estão lá para saber", provoca.


Nesse momento da conversa, a imagem da menina que queria conhecer o mundo como a Glória Maria, já se desfez e se transformou no semblante da foto que ilustra a matéria. Uma jornalista, formada na Paraíba, uma mulher muito ciente do seu papel de informar e revelar realidades da forma mais fiel possível.


*E se você quiser conhecer mais sobre o Rio São Francisco e as questões que envolvem a obra de transposição, pode comprar o livro de Güllich neste link. Por enquanto, por causa da pandemia, Gabriela só pode disponibilizar por arquivo PDF.

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