Memórias sem paredes
- Daniela Mendes
- 7 de ago.
- 3 min de leitura
Uma breve conversa com a atriz portuguesa Andréa Fernandes que encena monólogo que une política e poesia no palco do Teatro da pedra amanhã (8).

Dizem que “lar é onde o coração está”. Mas, ironicamente, se ele não está entre paredes é aí que as pessoas não querem vê-lo. O abrigo pode se transformar em estrada para qualquer um. Afinal, destino é coisa que ninguém controla. Basta uma chuva forte, um revés violento, para tijolos e histórias se desfazerem, ficando expostos num banco de praça ou entulhados na via pública com o que restou. E o coração continua mesmo sem o lar. E as pessoas não querem admitir essa realidade.

É nesse território subjetivo que a atriz portuguesa Andréa Fernandes conduz o público no monólogo “As Lesmas não são tão diferentes dos Caracóis”. Em cena, a vida de uma mulher sem abrigo, que, apesar da dureza, mantém um olhar encantado para as coisas singelas. Uma realidade que, para muitos, é tanto temida quanto rejeitada, e que o espetáculo convida a encarar de frente.
O título da peça é metáfora e provocação: “A única diferença entre uma lesma e um caracol é a casa que ela carrega nas costas. Qualquer um de nós pode perder a sua”, diz Andréa.
A atriz está em São João del-Rei desde abril, vivendo um intercâmbio acadêmico que termina em setembro. Nesse tempo, acompanhou de perto o trabalho do Teatro da Pedra e mergulhou na realidade brasileira, que para ela amplia o sentido do espetáculo: “Não sou ingênua de achar que uma pessoa sozinha vai mudar tudo. É preciso transformação sistêmica. Mas se formos tão boas pessoas quanto costumamos dizer, podemos juntos fazer alguma diferença.”
O texto, sensível e simbólico, percorre a memória que um corpo feminino guarda. Entre cores, formas e símbolos, traz um olhar humano que flerta com a loucura para dar vida às lembranças tanto reais quanto inventadas de uma mulher em situação de rua.
A cenografia, assinada por Duarte Banza, é uma obra de arte por si só: lembra os bordados inspirados na tradição de Viana do Castelo, no norte de Portugal, onde mulheres camponesas imprimem símbolos e frases sobre suas vivências, memórias e lutas em tecidos.
O espetáculo vem sendo construído desde 2022 e estreou em janeiro numa criação conjunta de Andréa e encenação de Apollo Neiva, dentro da companhia Associação Porta 37, fundada por ela e outros artistas. Mais que denunciar, a montagem propõe um olhar coletivo para a mudança.

Na visão de Andréa, o teatro é um chamado à consciência: “Criamos essa obra para que o público pense conosco. Que saia refletindo sobre quem é e como quer agir no mundo.” E, embora a atriz prefira não estabelecer uma hierarquia entre as dores do feminino e do masculino quando em situação de rua, acredita que a personagem traz uma mensagem especial às mulheres: “Somos mais fortes quando percebemos que somos amigas, mesmo sem nos conhecermos. Temos que estar umas pelas outras para que a luta continue. Vivemos tempos críticos.”
Serviço
As Lesmas não são tão diferentes dos Caracóis
Sexta-feira, 8 de agosto, às 20h
Teatro da Pedra – São João del-Rei
R$ 30 (inteira) | R$ 15 (meia) – ingressos no local até 15 minutos antes
Duração: 35 minutos | Classificação: 16 anos
Mais informações: (32) 98866-4585 | Instagram: @teatrodapedra







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