Corações e corpos em ação
- Daniela Mendes
- 9 de jun.
- 4 min de leitura
O grupo Batucada das Minas fez um cortejo emocionante para eternizar cantoras brasileiras.

Pra quase todo mundo, era sábado de um outono que já antecipava o inverno em Tiradentes (MG). Quase, porque, naquele fim de semana, dia 07, a Batucada das Minas diminuiu a distância que existia de fevereiro a junho e lembrou à cidade o carnaval com agogôs, xequerês, alfaias e outros instrumentos, que deram uma sacudida no cenário com o cortejo Sempre Vivas.
O frio era propício ao vinho e aos festejos religiosos de junho. Mas as 54 mulheres, vibraram mais quente. Vestidas com camisetas de um uniforme vermelho, da cintura para cima, meias arrastão e vestuários confortáveis, da cintura para baixo, chegavam ao ponto de encontro se abraçando e tirando selfies.
Algum desavisado, embebido pelo líquido de Baco – festejado no evento ‘Vinho e Jazz’, ali do lado – e pouco afeito ao catolicismo – ritualizado na ‘Festa da Santíssima’, em um bairro no alto da cidade, poderia até ter desconfiado que ali estavam as bacantes, devotas e seguidoras do deus romano. Mas não era nem um nem outro.
Na flor da maturidade, aquelas mulheres ficaram cerca de um ano se preparando para tomar as ruas e a praça da cidade. Dedicaram-se à percussão, treinaram as vozes, inscreveram-se na Lei Aldir Blanc e foram contempladas para honrar grandes artistas da história da música brasileira.
Muita dedicação para celebrar nove grandes divas da Música Popular Brasileira e tomar um pouco daquelas histórias para significar o empoderamento feminino por meio da cultura e da alegria neste que foi o cortejo Sempre Vivas.
Carnaval em junho
Cada uma, com um dom artesanal, trouxe na cabeça adornos que identificavam sua diva de preferência: em maior número, Claras Nunes se confundiam com Gals. As perucas ruivas eram para as Rita Lees. E os chapéus de Lampião, para quem era de Marinês. Chamava atenção também um cabelo azul estilo mullet, em reverência aos anos mais radicais de Cássia Eller. Beths e Ivones, se harmonizavam na linha do samba.

Teve quem até assumiu o nome da diva escolhida para homenagear. Foi o caso da professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e integrante do grupo de trabalho (GT) de projetos da Batucada das Minas, Adriana Nascimento.
Antes de falar com a Mana, ela foi logo se identificando com uma alcunha que misturava seu nome com o da Rita Lee. Mas, em seguida, mostrou que, por trás da brincadeira, aquele momento era rico de significado:
“O Sempre Vivas foi um projeto que a gente fez no ano passado para a Lei Aldir Blanc. Nossa ideia é trazer as mulheres compositoras brasileiras para a discussão feminista nas músicas delas, debater sobre a letra no grupo. E também aquelas artistas que já não estão aqui em vida, mas continuam vivas com a gente nas suas músicas, na sua produção musical”, celebrou.
A pesquisa foi musical e trouxe junto para a rua a harmonia de como cada uma dessas mulheres foi atravessada pela história de ícones femininos da MPB. Durante um ano, num processo de discussão coletiva, as integrantes do grupo fizeram enquetes e discutiram sobre cada sugestão de letras. Aliás, uma novidade: o uso da voz nas apresentações já em algumas aparições.
Antes de partir em bloco festivo, a regente de vozes, Danuza Menezes, lembrou o processo de criação e coordenou um exercício de respiração. Depois, lembrou às companheiras uma frase que ouviu de um artista circense: "Lance seu coração, que o corpo acompanha!" Foi seguida de aplausos, os estandartes das nove divas se ergueram e o batuque saiu pra rua.
Palco e camarim a céu aberto
Quando foram organizar a formação para sair, a regente de percussão, Ana Tostes, começou a chamar as divas pelo nome de seus instrumentos, o que indicava que, a partir daquele momento, os corpos iriam mediar ideias em forma de som. As histórias das divas deviam continuar incorporadas, mas com mais concentração na arte celebrada.

A passeata festiva foi engrossando no trecho que se fez do camarim ao ar livre, no Largo das Mercês, até o palco da apresentação, no Largo das Forras, o coração da cidade. Pontos onde os viajantes chegavam e pessoas escravizadas recebiam alforria no século XVIII são hoje áreas de encontro de coletividades cotidianas dos moradores.
O público foi acompanhando, mais curioso do que tímido. Muitos turistas mal conseguiam evitar o gesto de coçar o queixo em análise. Até o momento em que duas menininhas ocuparam o grande centro da roda dançando e, a partir daí, a festa se consagrou para todo mundo, sob o irresistível “Abre Alas”, de Chiquinha Gonzaga, entre outras canções icônicas.

Não chegou a ser um carnaval, mas era cerca de um pouco mais de quase duas centenas de pessoas que se contagiaram com a batucada. Uma formação que não apenas se deu por satisfeita de ficar até o fim da apresentação, como também formou um cevado coro pedindo bis.
O que parece muito natural, aos olhos dos visitantes, já predispostos a se deixar seduzir pela mágica tiradentina, é fruto de um trabalho primoroso. O que, ironicamente, talvez dê ares de uma coesão natural e aleatória. Mas o resultado só é possível depois de muito trabalho e organização.
A produtora do grupo, Marisol Jotta, lembrou numa espécie de êxtase abraçada às companheiras Danuza Menezes e Milena Lopes ao fim da apresentação:
“Vamos falar nós três, como que tá o nosso coração nesse momento. Eu tô assim, vibrando como há 6 anos quando a gente começou. Vibrando ainda mais por acreditar que a gente ia chegar aqui. Mas não imaginava que a gente ia ser tão feliz junto, entendeu?”, afirmou e foi confirmada por Danuza.

“Eu tô muito feliz, gente, ter participado, foi muito legal, uma oportunidade muito boa e eu agradeço muito de coração. O meu coração está em festa. A Batucada das Minas foi um presente para mim”, emocionou-se.
Mas o que a gente viu é que a Batucada das Minas é um presente pra toda cidade também.









































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