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Cidades históricas mineiras elegem menos mulheres.

Atualizado: 9 de jun.

O Índice de Representação Feminina criado por Najla Passos supõe que cidades históricas estão entre as que menos elegem mulheres no Brasil. MG só supera MS e ES.

Najla volta o olhar pra região de origem depois de correr o mundo/Álbum pessoal
Najla volta o olhar pra região de origem depois de correr o mundo/Álbum pessoal

Dizem que olhar de fora revela o que a gente tem por dentro. Se for verdade, é o que deve ter acontecido com a jornalista Najla Passos. Ela saiu de sua cidade natal, Barbacena, aos dezessete anos para estudar na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para só voltar agora depois de correr o mundo.


Morou em Brasília, Mato Grosso e, na época do bordão onde agentes de direita mandavam os da esquerda irem ao último reduto socialista da América do Sul, ela aproveitou o xingamento para dar título ao projeto e ir de fato a ilha de Fidel. Em 2016, fez um projeto de jornalismo colaborativo pelo Catarse, o blog #VaiPraCuba. A ideia era a de trazer uma narrativa daquele país diferente do que se fazia na imprensa tradicional.


Depois, em 2017, a barbacenense voltou para dar aula na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e lecionar como professora substituta. Quando o contrato acabou, em 2020, criou o portal Notícias Gerais, no momento inativo. Agora, Najla voltou para a sua universidade de origem (UFJF), dessa vez, ao doutorado.

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Em Juiz de Fora, a jornalista pesquisa um assunto que começou com um incômodo. “Eu fiquei impressionada como aqui é um ambiente mais machista do que eu costumava notar”. Ela usa como exemplo Brasília, onde morou. “Você vê muita gente lutando por causas, por exemplo, como o feminismo. São pautas colocadas na escola, as crianças crescem com outra ideia”.


Ao observar a baixa representatividade das mulheres em cargos institucionais, relacionou este fato com a cultura local como hipótese. Mas não tinha um número, um parâmetro, e criou o Índice de Representatividade Feminina (IRF) que atravessa sua pesquisa sobre como as poucas mulheres eleitas nas cidades que compõe o circuito da Estrada Real constroem os discursos e formas de atuar na política a partir do Facebook. Tudo ainda em desenvolvimento.


O que é representatividade e a estrada real.


A representatividade é uma qualidade onde alguém se embasa num grupo, geralmente uma minoria, para se exprimir em nome desta. Por sua vez, minoria não quer dizer poucas pessoas. Mas indivíduos que se encontram numa situação de dependência ou desvantagem em relação a um outro grupo, “maioritário”, ambos integrando uma sociedade mais ampla. Logo, minoria diz respeito a um grupo diminuído.


Por isso que no Brasil, chama-se os negros e pardos, que compõe 54% da população, como minoria. É o mesmo caso das mulheres. Embora ocupem 51,13% da população (Censo, 2019) e 52,7% do eleitorado, são consideradas uma minoria de acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta sexta-feira, 15.

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Ambos os grupos possuem baixíssima representação política, o que os caracteriza ainda mais como minoria. Mas o que Najla descobriu é que parece que esse número é ainda menor na então chamada Estrada Real, principalmente, na Minas histórica. Estamos falando de um dos maiores circuitos turísticos do Brasil, com cerca de 1630km. Construída no século XVII para ligar a região do litoral carioca às regiões produtoras de ouro do interior de Minas Gerais, compreende 177 municípios.


Visão geral do Brasil e leis


As mulheres ocupam hoje, no Brasil, menos de 15% dos cargos eletivos. A pesquisa de Najla lembra que desde o início da República, em 1889, o país teve uma única presidenta, Dilma Rousseff, e apenas 16 governadoras. Dessas, só oito foram eleitas para o cargo. As demais eram vices que ocuparam o posto com a saída do titular.


As oito eleitas governaram seis estados: dois no nordeste, dois no norte, um no sudeste e um no sul. Rio Grande do Norte, um destes, é pioneiro em participação feminina na política. Foi o primeiro, em 1927, a autorizar as mulheres a votarem e serem votadas. Também, em 1928, o mesmo estado elegeu a primeira prefeita brasileira: Alzira Soriano, na cidade de Lajes. Talvez, por conta dessa história, três destas governadoras foram eleitas lá. Mas ainda é muito pouco para considerarmos uma representatividade na política de fato.

Alzira Soriano entre os homens/Wikipedia, reprodução
Alzira Soriano entre os homens/Wikipedia, reprodução

No legislativo, apenas 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres. No Senado, são 13% e nas assembleias estaduais temos apenas 161 mulheres eleitas. O que também representa uma média de 15% do total de postos.


Nas última eleições municipais, passou a valer uma lei de cotas. Segundo esta, a partir de 2020, as legendas deverão encaminhar à Justiça Eleitoral, juntamente com o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), a lista de candidatas que concorrerão no pleito num percentual de 30%. A regra está prevista no artigo 10, parágrafo 3º da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições).

Hoje que está tendo uma mudança de cultura. Mas esta também está sendo reprimida numa onda conservadora muito forte. O passado se repete”. Najla Passos

Antes, a indicação de mulheres para participar das eleições era por coligação. Agora, será por partido. Estes se amparavam, enquanto coligação, para atingir os 30%, já que o grupo coligado era visto como um só. Mas agora isso acabou.


Além disso, em maio do ano passado, por unanimidade, o Plenário do TSE confirmou que os partidos políticos deveriam, já para as Eleições 2018, reservar pelo menos 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral, para financiar as campanhas de candidatas no período eleitoral.

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Mas as medidas se mostraram insuficientes. Najla disse que isso não repercutiu nas eleições municipais. As prefeitas eleitas no país foram 12,1% do total, as vice-prefeitas somaram 16,4% e as vereadoras ocuparam 16,51% das vagas legislativas, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).


Sem falar das maracutaias. Quem não lembra do escândalo de se usar mulheres como laranjas*? Na corrida pelos cargos federais e estaduais em 2018, um esquema de fraude escandalizou o país e derrubou o então Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que era presidente do diretório estadual do Partido Social Liberal (PSL), ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. (leia aqui)


A região e Minas Gerais


Desde 1989, Minas Gerais é o estado que melhor reflete o resultado das urnas de todo o eleitorado brasileiro. Desde a redemocratização, todos os presidentes eleitos também conquistaram o voto da maioria dos eleitores mineiros, que representam o segundo maior colégio eleitoral do Brasil (15,8 milhões) atrás de São Paulo (33,1 milhões). Dados da Justiça Eleitoral, analisados pela Folha, reforçam que Minas é o estado com os resultados mais semelhantes aos do resto do país em diferentes indicadores.

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A pesquisa de Najla caminha para constatar que, em 2020 as eleições em Minas Gerais refletiram ainda mais o aspecto da falta de representatividade do país. No ranking nacional de percentual de mulheres eleitas, o Estado ocupa a 24ª posição entre os 26 da federação superando apenas Mato Grosso do Sul e Espírito Santo. As prefeitas alçaram apenas 7,2% dos postos do Executivo Municipal mineiro, enquanto as vereadoras conquistaram 13,9% das cadeiras dos Legislativos.


No Estado, dos 853 municípios do Estado, 186 (22%) não tiveram nenhuma vereadora eleita, entre eles cidades polos na política e na economia, como as históricas Barbacena e Barroso aqui do Campo das Vertentes.

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Isso talvez não fosse tão alarmante se 333 cidades (39%) tivessem elegido apenas uma vereadora, como foi o caso de Tiradentes, Ouro Preto, Mariana e Congonhas. E é aí que Najla encontrou o fato mais gritante: justamente na trilha das cidades históricas, popularmente reconhecidas como mais tradicionalistas e conservadoras, que as mulheres encontraram menor espaço em 2022.


Dos 162 municípios mineiros que se situam nas trilhas da Estrada Real (os outros são do Rio de Janeiro e São Paulo), 128 (79%) elegeram pelo menos uma mulher nas eleições de 2020: foram 8 prefeitas, 17 vice-prefeitas e 209 vereadoras. É um percentual bastante inferior ao verificado no resto do país e no estado. As prefeitas mulheres são apenas 4,9% do total nas cidades históricas do circuito mineiro da Estrada Real.


Hipóteses de uma pesquisa em andamento


A pesquisa da jornalista ainda está em andamento. Do que já estudou, viu que a formação de Minas Gerais é muito diferente de outros lugares do Brasil colônia. “Por conta da mineração, o crescimento foi muito rápido. As cidades históricas consideradas metrópoles na época, como São João del-Rei, Ouro Preto e Sabará tiveram um crescimento desenfreado”, constata.


Este desenvolvimento veloz em tão pouco tempo, para Najla, quebrou o equilíbrio do sistema paternalista. “Muitas negras de tabuleiro faziam dinheiro, contrabandeavam ouro e compravam alforria. Nós, mulheres negras, ex- escravas, éramos o segundo grupo mais rico, com maior poder aquisitivo aqui na Minas histórica”, descreve e explica que essa economia provocou um desarranjo dos poderes da Igreja e do Estado. Daí haver uma repressão maior.


Carlota única mulher nas reuniões da Assembleia SP/ Arquivo pessoal da  política no CPDOC/FGV.
Carlota única mulher nas reuniões da Assembleia SP/ Arquivo pessoal da política no CPDOC/FGV.

Ou seja, segundo esta hipótese, justamente o passado empoderado das mulheres que gerou uma reação mais violenta dos costumes e tradições mineiras, com um padrão familiar onde as mulheres foram reprimidas mais fortemente.


A pesquisadora conta que o Estado efetivava o casamento dentro da moral cristã através da repressão dos trabalhos femininos. A ascensão em cargos públicos só se davam mediante o casamento. As mulheres não podiam mais ser ambulantes, nem ter contato com negros ou hospedarias. E os brancos que se casavam com as negras eram excomungados.


Um reflexo dessa visão vem da própria academia. Najla lembra que o Brasil colonial visto por historiadores dos anos 1980 ainda tratavam negros e indígenas como gente preguiçosa. “Hoje que está tendo uma mudança de cultura. Mas esta também está sendo reprimida numa onda conservadora muito forte. O passado se repete”, afirma ao deduzir uma espécie sombria de ciclo histórico que avança e retrocede.


A impressão de que houve progresso nos costumes nos dias atuais, também merece atenção, segundo a jornalista. “Hoje você fala do feminismo como um movimento mais de massa, que está nas redes sociais, que as meninas novas falam e tal. Mas você tem uma onda conservadora aí que se organiza também”. Afirma e exemplifica com a eleição à presidência da república de Jair Bolsonaro e a Marcha com Jesus no sábado, 16, em algumas capitais do Brasil. Um evento religioso, de nível internacional, que tem contado com a presença do presidente da República, declarado conservador, a cada ano.


Não basta ser mulher, tem que representar.


Eleger mulheres é por si só passível de comemoração por ser esta uma constatação de que outros tipos de pessoas estão chegando ao poder e não apenas homens brancos”, afirma a pesquisadora. Mas o ideal, segundo ela, é um perfil interseccional*. Sem isso inda falta muita coisa. “Tem q ver de onde vem estas mulheres, a raça delas, em nome de quem elas falam. Elas realmente representam as mulheres?”, questiona.


Najla ainda lembra que o ideal também é ter mulheres que não sejam interrompidas. Algumas chegam lá, são canceladas ou não tem voz. “A gente vê em São João del-Rei, por exemplo, o caso da Lívia Guimarães. Ficou grávida e até o último momento não sabia se podia ter licença maternidade porque não havia previsão legal para a situação dela na câmara de vereadores”. Lembra e aponta, dessa forma, que não há tampouco estrutura nas Casas legislativas municipais para receber representantes mulheres.


Em comparação com a eleição passada, apesar de Tiradentes ter eleito a candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Luciana Venturini, como a segunda mais votada e São João del-Rei ter elegido três vereadoras, a situação não avançou de forma geral no resto do país. O Brasil segue sendo o segundo pior país em termos de representatividade da América Latina. Só perde para o Haiti.

Cerimônia de posse dos ministros do governo Michel Temer/Planalto - 2016/Lula Marques
Cerimônia de posse dos ministros do governo Michel Temer/Planalto - 2016/Lula Marques

Há muito o que se pensar e várias ideias. A pesquisa acadêmica exige foco reduzido. Por isso, Najla não vai pesquisar as causas dessa desigualdade, mas entender como estas mulheres que conseguiram se eleger num ambiente tão hostil e historicamente contrário constroem sua representatividade nas redes sociais. “Essas questões históricas atravessam a pesquisa, mas não é isso que ela é”, afirma.


Outras questões são buscadas pela pesquisadora: tecnologia, superexposição on-line decorrente da pandemia, horário no rádio e TV reduzidos, a permissão de, pela primeira vez, poder pagar por impulsionamento nas redes sociais, ou seja, aspectos mais contemporâneos das eleições. Como também a tendência da causa animal que elegeu muita gente.


Najla está interessada em jogar luz sobre as tendências eleitorais mais recentes, como a entrada de mulheres da saúde, médicas, enfermeiras e psicólogas, na política em razão da pandemia. Ou como os feminismos se distribuem nos partidos. “Tem dois tipos, né? A empreendedora e a empoderadas”, resume brincando.


A gente precisa ter mais conhecimento sobre isso pra saber porque temos tão baixa representatividade e descobrir como podemos construir imagens de mulheres fortes pra quebrar historicamente essa sub-representação. Saber quais discursos usaremos”, justifica.

Uma exceção no Campo das Vertentes
Uma exceção no Campo das Vertentes

Aproveitamos que Najla está com a mão na massa e pedimos para ela tentar prever o que poderá acontecer em outubro. “Prever qualquer coisa em termos de eleição é difícil. A gente está num momento de polarização muito grande. É um momento dialético entre o feminismo como movimento de massa e o avanço da onda conservadora fortíssima. E o capitalismo sempre dá um jeito pra enrolar a gente. Este novo conservadorismo, um dos componentes dele é o neoliberalismo. Este, captura um pouco o feminismo para mostrar que a questão está resolvida”, explica.


Para Najla, o número de mulheres pode até aumentar. Mas se as mulheres eleitas não tiverem o compromisso interseccional com o feminismo histórico, não são de fato representantes das mulheres. "Elas vão até falar de animais, da família, pegar a pauta da defesa da vida, mas estas não são pautas históricas da luta das mulheres", distingue.


Najla, inclusive, alerta: um eventual aumento de mulheres descompromissadas com a causa feminina pode funcionar contra o feminismo. “Vão falar: não aumentou? O que mudou então? A gente está num momento histórico muito complicado. Acho que não dá pra ter previsão. Quais mulheres vão se eleger e a quem elas dão vozes? A gente quer Damaris que nos represente? Não, né. A gente quer Marielle, que foi interrompida. Dilma que sofreu o golpe. É outro tipo de representação. São representações históricas de necessidades realmente femininas”, conclui.



Glossário:


Laranjas: Os termos "laranja" e "testa de ferro" designam, na linguagem popular, a pessoa que intermedeia, voluntária ou involuntariamente, transações financeiras fraudulentas, emprestando seu nome, documentos ou conta bancária para ocultar a identidade de quem a contrata.

Interseccional: Relativo a interseccionalidade (ou teoria interseccional), que é o estudo da sobreposição ou convivência de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação. Por exemplo, o feminismo negro tende a levar em conta o racismo e a opressão de gênero dentro de um mesmo sistema.

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