Anatomia de uma experiência política
- Daniela Mendes
- 25 de mar. de 2021
- 15 min de leitura
Atualizado: 5 de jul. de 2022
O rompimento do mandato coletivo das Lélias pelo PT em Cataguases deixa muitas reflexões sobre os desafios que enfrentam o novo modelo político.

Já era noite do dia 12 de março quando a vereadora da Câmara Municipal de Cataguases, Stefany Carli, avisou para Revista Mana: acabou. O coletivo Lélias em reunião durante a tarde havia decidido não mais participar do mandato eleito pelo partido dos trabalhadores, PT, há três meses. Com isso, o grupo também sofreu baixas, a da vereadora e mais duas participantes que também saíram do grupo.
A população ficou sabendo da notícia via redes sociais. A Revista Mana já acompanhava os fatos há uma semana, quando pessoas próximas da parlamentar telefonaram para falar sobre o complicado andamento do mandato. Sem imaginar o desfecho, ligamos para Carli, que sempre respondeu pelo Coletivo Lélias junto a Revista Mana.
Num misto de descrença, tristeza e nervosismo, sem uma assessoria de comunicação, a vereadora nos disse ao telefone que mal sabia como dar a notícia para os seus eleitores. Este trabalho sempre foi feito pelo Coletivo Lélias. Nos oferecemos, num gesto de sororidade, para improvisar uma arte e revisamos o texto que a parlamentar escreveu.
Por isso, pensamos em não fazer esta matéria. Além do motivo de ter que lidar com a fragilidade de um movimento de esquerda e feminista num momento político tão crítico para o país. Essa era uma notícia que não queríamos dar.
Mas baixada poeira, numa história sem heroínas e vilãs, percebemos que tínhamos aqui um bom material de debate público. A missão jornalística bateu mais forte no coração e começamos a trabalhar no sentido de fomentar a reflexão. Uma vez que na microrregião das Vertentes tivemos algumas candidaturas no mesmo modelo.
De mulheres para mulher

Na verdade, foi “de mulher para mulher” a expressão usada por uma integrante do Coletivo Lélias, dentro de um quadradinho do google meeting, para definir aquela entrevista da Revista Mana com o grupo. Mas tudo o que foi falado ali, naquela conversa, não recebeu autorização para ser publicado. Elas responderiam todas as questões por escrito. A justificativa foi preservar a imagem do mandato se reservando à ideologia e ética do grupo.
Lamentamos, pois a conversa foi profunda e rica. Mas respeitamos a decisão do grupo. O combinado foi que repetíssemos as perguntas e elas responderiam cada questionamento com um “nós” elaborado conjuntamente num texto escrito. Por isso, daqui em diante, toda vez que falarmos em Lélias, estaremos nos referindo a cinco mulheres: Juliana de Paula Iennaco, Katalin Geocze, Laís Rios, Ludmila Cesário e Valéria Dias.
“O coletivo Lélias se constituiu com a missão de fortalecer mulheres, apoiar iniciativas femininas de busca por representatividade e somos torcedoras para que cada vez mais de nós esteja nos representando em todas as instâncias e espaços de poder”. Trecho da entrevista escrita.
A votação da mesa diretora da câmara.
Na tentativa de trazer os fatos à tona, percebemos que a crise do Mandato Coletivo Lélias se aprofundou num tempo muito curto de apenas 3 meses de vigência do cargo. Tanto para Stefany Carli quanto para o Coletivo Lélias todo o episódio da eleição da mesa diretora da câmara de vereadores e os momentos que o antecederam foram o pano de fundo da crise. Ou seja, no primeiro dia da legislatura, primeiro de janeiro, a situação já estava bem tensa.
Tanto que na entrevista escrita pelo Coletivo Lélias elas afirmam que percebiam a necessidade de criar mecanismos que viabilizassem a realização do mandato efetivamente coletivo a partir desse episódio, quando os atos da vereadora desagradaram. “Desde antes do empossamento, no período das articulações políticas para a formação da mesa diretora na Câmara (momento em que fatos importantes deixaram de ser comunicados), até votos realizados em descumprimento com o acordado de forma coletiva”.
A eleição da mesa diretora da câmara é o momento que os vereadores se reúnem para eleger o presidente, o primeiro vice-presidente, o segundo vice-presidente, o primeiro secretário, o segundo secretário e o tesoureiro, todos com mandato de dois anos.
A eleição precisa de chapa inscrita até a hora do voto e define posições de muito poder dentro da câmara. “Essa negociação é uma negociação tensa. Ali naquele momento eu vi que ia dar problema. Eu nunca impus que ia negociar nada, mas como elas estavam orientando [Coletivo Lélias], elas me disseram para ir conversando, sondando e montar um quebra-cabeça”, narra a Stefany Carli.
O jogo político

A vereadora disse que fez como o combinado e passou para o grupo as conversas que tinha com os parlamentares desde a eleição. Sob orientação do Coletivo Lélias, o objetivo era o de negociar a secretaria. No dia 31, até no início da tarde, o cenário apontava para duas chapas: uma chapa de apoio ao executivo e outra da oposição.
Carli fez um resumo do panorama político de Cataguases. A chapa de oposição não era necessariamente de esquerda e tinha até vereador que vinha de mandatos anteriores da base de apoio do antigo prefeito e com suspeita de corrupção. E a chapa de apoio ao executivo seria complicado apoiar porque a base eleitoral poderia achar que isso prejudicaria a função fiscalizadora do cargo. Assim, o último dia de 2020 foi permeado por reuniões e reviravoltas políticas.
Depois de serem convidadas para uma reunião com a chapa governista, Carli e a integrante do Coletivo, a professora Sandra Vieira compareceram presencialmente no local combinado. Duas acompanharam de forma virtual e as demais não puderam ir. Ali, elas entenderam que o melhor era se posicionar ao lado da chapa do prefeito eleito porque parecia a mais idônea, com nomes novos na política da cidade. Saíram de lá quase certas que o grupo também pensava assim. Só faltava mesmo o Coletivo Lélias aprovar.
O Vídeo
Diante do que foi retratado pela mandatária, o Coletivo Lélias decidiu que Stefany deveria sugerir o nome dela para ocupar a presidência da mesa, ao invés de apenas apoiar a chapa que estava ao lado do executivo, narrou a vereadora. O grupo entendia que por se tratar de um mandato de mulheres, elas teriam mais adesão que o então candidato do PV, Beto do Leonardo. Hoje, primeiro vice-presidente da câmara.
Stefany Carli detalhou seus sentimentos e observações naquele dia. “Ninguém me perguntou se eu queria me expor. Presidente de mesa é uma coisa muito difícil. Como você que escolhe os cargos... E isso daí como acontece? Cada um quer um carguinho. Não tem limpeza. Então eu não queria ser presidente de mesa. Pelo menos nos dois primeiros anos não”, confessa.
No entanto, era o que o coletivo queria, não se tratava apenas da sua vontade. A vereadora seguiu com o decidido, comunicou a decisão à chapa de apoio ao executivo e ficou esperando resposta.
Diante da demora da conclusão daquele grupo, Stefany Carli fez uma chamada de vídeo com o Coletivo Lélias e relatou todos os passos. Mais tranquilas da correria do último dia do ano, elas começaram a repassar tudo que havia acontecido no dia.

A conversa ocorria de forma amena até a vereadora comentar sobre um vídeo dela, gravado e guardado com a chapa governista, só esperando a aprovação do Coletivo Lélias aprovar a aliança. Neste, ela justificava a criação da bancada dentro dos princípios de transparência e idoneidade política. Carli explica que, como já era dia 31 e todo mundo estava muito ocupado, ambas as partes da reunião acharam que isso agilizaria a campanha caso o posicionamento do Coletivo Lélias fosse a favor do acordado.
A vereadora e a co-vereadora do coletivo Sandra Vieira não viram problema. “Porque Cataguases é uma cidade pequena, a gente já conhecia as pessoas, eu tinha feito essas articulações prévias com outros vereadores e... eles não iam ganhar nada divulgando esse vídeo, entendeu? A gente gravou o vídeo”, afirmo u Carli.
Sob suspeita.
A partir desse momento, Stefany Carli diz que ela e Sandra Vieira foram acusadas de amadorismo e traição pelo Coletivo Lélias por confiar nos políticos apoiadores do executivo e deixar um vídeo gravado com eles. A vereadora se defende que não era para tanto. Já que Juliana Iennaco e Odete Valverde acompanharam on-line as negociações que pareciam caminhar de forma certa para o apoio à chapa do executivo.
Depois da discussão, o mal-estar não se apaziguou. O grupo não deliberou mais sobre o posicionamento na votação da mesa diretora. As únicas que continuaram dando suporte foram Iennaco e Vieira, afirma a vereadora. “Foi aí que eu comecei a me questionar que mandato coletivo era esse? Eu tava sozinha.” constatou Stefany Carli já exaltada em suas lembranças.
"Para nós, a casa é a democracia interna, fundamentada principalmente na ausência de hierarquia, e que deveria ter sido mantida sobre nossos principais pilares: democracia e horizontalidade nas decisões, comunicação, transparência, ações pautadas na ideologia de esquerda e feminista e coletividade”. Coletivo Lélias
Para piorar o quadro, às 23h tudo já havia mudado na política cataguasense. A chapa formada pelo executivo teve adesão de vereadores da chapa de oposição. Essa reviravolta causou mais mal-estar entre as integrantes do Coletivo.
Sandra Vieira teve um choque de realidade. “Esse episódio foi muito desagradável porque somos totalmente inexperientes e na política o jogo é quente, jogo de interesses. Na conversa que nós tivemos, a gente achou uma coisa, que pra mim estava definido aquilo e o negócio vai mudar no mesmo dia lá de noite na véspera de ano novo. Eu fiquei assustada até com esta mudança tão repentina”, confessa.
Todo episódio foi muito desgastante, segundo Stefany Carli. “Eu não dormi na noite do dia 31. Eu fui para a posse virada. Pus uma base na cara e fui porque eu só chorava de raiva de ter ficado sozinha naquele momento”, lembra.
Por fim, já que o Coletivo Lélias não deliberava mais, a vereadora resolveu praticar voto de abstenção a conselho do PT, o partido legal do mandato.
A Avaliação.
No final do episódio, Stefany Carli avaliou toda reviravolta de forma positiva para o mandato. Nas negociações, mesmo que nada do que tenha conversado tenha sido levado em conta, ela conquistou respeito de alguns vereadores e conseguiu entrar para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Já para Vieira, aconteceram muitas coisas que nem elas ficaram sabendo. “A mesa se formou em outra, outra configuração que não me agradou, não agradou as meninas. Mas a gente não pode carregar uma culpa de algo que a gente achava que estava certo”, lembra.
Para o Coletivo Lélias, em texto escrito, após perguntarmos em que momento o mandato coletivo passou a ser rompido em seu projeto: “Os princípios norteadores do mandato e do coletivo começaram a ser desconsiderados pela mandatária. Uma analogia possível é pensar que toda casa precisa ter sua estrutura fortalecida e bem cuidada, de forma que essa casa seja um lugar seguro e erguido sobre bases inabaláveis. Para nós, a casa é a democracia interna, fundamentada principalmente na ausência de hierarquia, e que deveria ter sido mantida sobre nossos principais pilares: democracia e horizontalidade nas decisões, comunicação, transparência, ações pautadas na ideologia de esquerda e feminista e coletividade”.
O regimento.
O episódio da votação da mesa diretora da câmara parece ter sido a prova de fogo para o mandato coletivo. As demandas de organização estavam explodindo. Na primeira semana de janeiro, o Coletivo Lélias se empenhou na tentativa de se organizar formalizando seu regimento interno.
As medidas tomadas por elas foram, segundo texto enviado a Revista Mana: “tornar eficaz o acordado verbalmente antes das eleições, transcrição desses acordos, registro e ampliação dos mecanismos para gestão interna do mandato; através da construção coletiva, formalização e registro de nosso Regimento Interno. Após horas de reunião, pesquisa e diálogo interno, chegamos à versão final, aprovada por sete das oito integrantes”.
Stefany Carli disse que no dia primeiro estava exausta depois de todo processo da eleição, episódio da formação da mesa diretora e pediu férias. Mas, ao invés disso, foi convocada uma reunião para fazer avaliação do seu desempenho. Ao que ela se recusou a comparecer já que também a câmara entraria em recesso e só retornaria em fevereiro, não via motivos para ir a uma reunião tão cansada.
O regimento interno havia sido rascunhado na casa de Odete Valverde no dia da eleição. O manuscrito ficou com Stefany Carli para que ela digitasse. Mas depois dos fatos da eleição da mesa da câmara, o Coletivo Lélias resolveu ampliar o que havia sido acordado.
Sob suspeita no grupo, a vereadora afirmou que todas as medidas tomadas foram baseadas em cima da falta de confiança em sua pessoa. De forma que se sentiu ofendida pessoalmente. Ela não se sentia representada no regimento, era impedida de se posicionar nas questões com as quais não concordava durante as reuniões e também via erros no documento que esbarravam em questões administrativas da câmara.
Mas o Coletivo Lélias vê os fatos de outra forma e responde por escrito: “Houve várias tentativas de diálogo com a mandatária - por meio de convocação de reuniões e conversas individuais - de forma a resolver os impasses no princípio da horizontalidade e coletividade. Não nos dispusemos a nos adaptar a qualquer estrutura que fugisse a isso, mas sim a fortalecer e fazer valer a coletividade e a democracia para além dos discursos na prática parlamentar”.
Começo das sessões
Quando voltaram as atividades parlamentares em fevereiro, Stefany Carli afirma que passava para o e-mail do Coletivo Lélias as pautas da semana. Mas elas não deliberavam. “Na primeira sessão funcionou, porque eu convoquei a reunião. Da segunda sessão, não funcionou mais. Porque como eu não assinava o regimento que elas tinham feito, elas não liberavam mais nada”, afirma a vereadora que também disse que nada do mandato era mais publicado nas redes do Coletivo.
O impasse, no entanto, não paralisou a vereadora que se diz a serviço da população. Deu como exemplo uma pauta polêmica da câmara. Nesta, Stefany Carli disse ter convocado o Coletivo Lélias e apenas parte delas atenderam a vereadora. As integrantes se manifestaram por whatsapp, segundo a vereadora, que alega não poder mediar as opiniões e debater uma pauta delicada por aplicativo, sem que elas comparecessem numa reunião.
Quando perguntamos ao grupo se houve uma tentativa de se adaptar e corrigir o que não funcionava, o Coletivo respondeu em texto: “Estivemos presentes em todas as reuniões virtuais da câmara, participamos em tempo real das discussões e encaminhamentos em cada uma delas, realizamos inúmeras reuniões extraordinárias para a resolução de cada impasse que se apresentava. Fomos ao Gabinete, fortalecemos a troca de informações com nossa assessoria e montamos uma força-tarefa para consolidar o Regimento Interno, de forma a propor soluções para cada uma das situações que se apresentaram. Houve várias tentativas de diálogo com a mandatária - por meio de convocação de reuniões e conversas individuais - de forma a resolver os impasses no princípio da horizontalidade e coletividade. Não nos dispusemos a nos adaptar a qualquer estrutura que fugisse a isso, mas sim a fortalecer e fazer valer a coletividade e a democracia para além dos discursos na prática parlamentar”.
O comum acordo
Diante de um diálogo inviabilizado, o contexto para o fim do mandato do Coletivo Lélias e a saída de três integrantes do grupo, estava configurado.
As integrantes que continuaram no Coletivo se posicionaram ao responder por escrito à Revista Mana: “A decisão do desligamento do Coletivo Lélias do Mandato da Vereadora Stefany Carli foi a formalização da situação vigente há algum tempo: a não realização de um mandato coletivo. A agenda da vereadora, suas ações, votos, compromissos firmados e encaminhamentos não passavam pela votação coletiva e nem sempre eram informadas ao grupo”.

Na reunião que culminou na saída do Coletivo Lélias do mandato, na resposta escrita à Revista Mana, o Coletivo afirma que: “Todas as integrantes presentes, incluindo a mandatária, apontaram para o fato de não estar ocorrendo um mandato efetivamente coletivo. Por isso, o desligamento foi decidido de forma consensual e acordada”.
Stefany Carli disse que não foi a favor e não se manifestou quanto a saída do Coletivo Lélias do seu mandato durante a reunião. Mas que, ao mesmo tempo, não poderia assinar o regimento que causava o impasse porque viu nele uma cláusula muito grave que a fez desconfiar das intenções do grupo. “Quando eu fui ler o documento, estava lá que caso eu fosse expulsa do Coletivo, eu teria que abrir mão do mandato por questões éticas”, revelou.
Nesse clima de desconfiança, ela não se sentiu segura para assinar e mandou o regimento para a advogada da secretaria do PT Mulher, Andrea Cangussú, que a aconselhou esperar um parecer jurídico do partido já que mandatos coletivos não tem legislação específica.
Antes mesmo da resposta do PT, veio a reunião que pôs fim à participação do grupo no mandato. Nesta, o Coletivo Lélias e Stefany Carli decidiram como comunicariam à população a decisão com o cuidado para que as pessoas não desacreditassem em mandatos coletivos e movimentos populares.
Avaliação da secretária do Partido dos Trabalhadores.

A secretária de mulheres do PT de Minas Gerais, Andrea Cangussú, disse que não deu para ler a avaliação do regimento do mandato coletivo das Lélias porque a dissolução aconteceu muito rápida. E esclarece com mais detalhe: “Na verdade o que eu fiz foi passar o contato de um advogado jurídico nosso, aqui de BH, para acompanhar”. Stefany Carli enviou o regimento diretamente para este advogado sugerido.
Cangussú acha que a atitude do Coletivo Lélias foi precipitada. “Dois meses é muito pouco para um formato eleitoral que nem tem regulamentação ainda”, afirma. Disse que até se dispôs a mediar o diálogo, já que havia um acirramento das questões muito grandes.
Agora ela acha que o mandato seguirá como tem que seguir de um lado e o Coletivo na forma de instituição civil de outro. “O que eu achava que não necessariamente podia ser feito de forma dissociada. Eu acho que, talvez, elas deveriam ter conversado mais para tentar achar um meio termo ali. Eu acho três meses de mandato muito pouco diante de quatro anos ”, afirma.
Otimista Cangussú acredita que com o tempo o grupo pode se reaproximar. “É uma construção tão bonita, que veio anterior à eleição. É uma organização de luta que elas criaram em Cataguases. Nunca existiu um movimento feminista em Cataguases que... não sei né? Pode ser antigamente... mas que se organizou. Acho que elas ainda tem muito a conversar”, afirma animada.
A secretária do PT salienta, no entanto, que o formato coletivo, segundo ela, “veio pra ficar”. Além do Coletivo Lélias, o PT tem registrado em seu nome de A Coletiva, em Belo Horizonte e o Nossa Voz, em Itajubá como eleitos também nas últimas eleições. “É um formato que ajuda minorias a chegar ao poder mais fácil”, afirma, contudo adverte: “As pessoas tem uma visão mais ampla da sociedade civil e quando você cai num mandato, na política institucional, você não conhece todo jogo, o que você precisa fazer”.
Não é o fim
O Coletivo Lélias não acabou. Assim se manifestou por escrito à Revista Mana: “continuará criando e colocando em prática projetos sociais e culturais, como as iniciativas PILAR (Programa de Inserção Laboral), Re-existir (projeto ambiental já iniciado), Lugar de Fala (projeto que viabiliza a promoção da voz feminina nas narrativas regionais, também já iniciado), As Arteiras (projeto de incentivo à arte e à cultura desenvolvidas por mulheres), além de outras em fase de organização. Enquanto instituto, pretendemos viabilizar meios para a promoção de projetos que sejam significativos para a população de Cataguases, em especial para as mulheres”.
E afirmam: “torcemos, portanto, que a vereadora faça um excelente mandato pautado nos princípios feministas e de esquerda”.
Já Stefany Carli disse que não está sozinha, conta com apoio de Sandra Vieira e Odete Valverde e pretende dar sequência a uma legislatura aberta à população. Na quinta-feira, 18, estava comemorando a recente aprovação de um projeto de resolução que cria na Câmara Municipal um órgão chamado procuradoria da mulher.
Carli explica que as atribuições desse órgão são consultivas. “Antes de aprovar seus projetos voltados para a população feminina, os vereadores podem recorrer à procuradoria para poder trocar ideias e ter as perspectivas das mulheres”.
O órgão também poderá divulgar os direitos das mulheres e denunciar a violação destes mesmos, além de promover cursos, palestras, discussões, mesas de conversas também sobre os direitos das mulheres. O que a vereadora empolgada diz ser o mais legal. “Esse é o início de um atendimento mais personalizado para as mulheres. Com o aparato de comunicação, a gente vai alcançar mais mulheres para discutir os assuntos da cidade na câmara, na perspectiva delas”, comemora.
Valeu a pena.
Telefonamos também para a professora Odete Valverde, que após a decisão do coletivo de sair do mandato, escreveu uma carta de desligamento e se desvencilhou do grupo por não se identificar mais com os projetos do Coletivo Lélias.
Na leitura desta ex-integrante, todo processo de eleição do mandato coletivo aconteceu muito rápido e meio a uma pandemia. Estes são dois fatores que considera agravantes.
Para Valverde, compartilhar ideais não é suficiente para que um projeto coletivo vá adiante. Com a pandemia, os encontros presenciais ficaram difíceis e limitados aos aplicativos on-line com uma convivência presencial, tão cara ao amadurecimento das relações, muito escassa.
Apesar desta dificuldade, a professora ainda revelou que foi das poucas que não quis a saída do Coletivo do mandato. A saída do grupo frustrou seus ideais. “O rompimento me deixou meio aborrecida. Eu não gostaria que rompesse”, lamenta mas também admite que o grupo não conseguiu chegar a um denominador comum.
Embora se revele chateada, Valverde sai com uma lição a dar para quem queira ingressar na política por esta via coletiva: “Eu diria para começar muito antes do mandato. Se for ano de eleição, deixa pra próxima. Eu acho que tem que criar vínculos, com todas as cartas na mesa e amadurecer as relações. Porque mesmo os ideais sendo comum, os desentendimentos acontecem e o diálogo é muito importante”, adverte.
A professora Sandra Vieira, observou que o andamento do grupo não estava fluindo bem. Somando isso ao fato de ter assumido um cargo em janeiro na secretaria de educação, já vinha pensando em sair do coletivo. O volume de trabalho diário aumentou muito, além da assistência que ela dá aos pais idosos. “Às vezes marcava uma reunião, eu tinha que chegar correndo, já entrar no google meet cansada, sem banho... Então, assim sabe?”, lamentou.
Vieira ficou chateada das coisas caminharem para a separação, mas confessa que no dia da reunião já tinha sua carta de desligamento escrita por conta desses motivos pessoais. De forma que sua saída foi, nas palavras dela, “numa boa” porque ela gosta muito das integrantes. Em janeiro mesmo ela já havia cogitado sair por conta de ter assumido novo cargo na secretaria de educação, mas acabou permanecendo ao ceder os apelos das companheiras.
Para ela, os projetos estavam inconciliáveis. “Eram duas coisas, você pensa bem... Eram muitos projetos de um lado e um mandato de outro. Acho que as coisas aí começaram a gerar um certo conflito. Porque não dava pra fazer tudo. E eu me incomodava por isso. Porque eu mesma estava dando pouca assistência”.
E finaliza: “Coletivo é muito bacana, sabe? Muitos coletivos tem esses problemas assim... Porque somos muito individualistas. A teoria é uma, a prática é outra, né? Mas eu acho que é um exercício bom. Foi bom. Eu acho que valeu a pena. Tudo vale a pena. Deu uma sacudida, sabe?”.
*Para mais informações sobre os projetos que estão em vigor e atualizações sobre as iniciativas futuras do Coletivo Lélias, acesse o blog: www.coletivo-lelias.blogspot.com
Entrevista do Coletivo à Revista Mana na íntegra. Escrito por Coletivo Lélias.
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