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A travessia musical de quem flutua

Violonista Juliano Camara, lança o álbum "Cabeças Flutuantes" ao lado da musicista Maline Euen.


O Casal no lançamento do CD "Cabeças Flutuantes"/Foto: Arquivo de Juliano Camara
O Casal no lançamento do CD "Cabeças Flutuantes"/Foto: Arquivo de Juliano Camara

Juliano Camara cresceu em Tiradentes com a liberdade de uma criança do interior, onde a rua é lugar de intimidade por ser uma extensão das casas de janelas abertas e grandes portas. Naquela época, a cidade não tinha essa vocação turística e a função de cenário, mas já atraía artistas visuais e era palco para bandas de música local e outros músicos, como o violonista, autodidata, menestrel negro Chico Curió.


A cena idílica abraçada pela Serra de Tiradentes, somada à música e às cores, forjaram a vocação de Juliano que viu uma sina ali se formar: “Antes de nascer, meu destino já estava selado: arquiteto de som”, escreveu no encarte de seu mais novo álbum, primeiro solo, Cabeças Flutuantes, meio a uma alusão ao fato de ser filho de um violinista e uma arquiteta.


Hoje, com 37 anos, vivendo em Dresden, Alemanha, passa uma temporada no Brasil e traz consigo sua música forjada na experiência e no encontro com a esposa Maline Euen, com quem teve também uma filha, Annalu. Juntos, ainda com a primogênita Ewa, configuram um quarteto em rota criativa entre o novo e velho mundo.


Foto divulgação.
Foto divulgação.

Cabeças flutuantes


O resultado são arranjos originais, afetos que circulam entre notas e diálogo entre culturas. Este álbum, soma-se aos anteriores de Juliano: Inventos (2015) e Música disfarçada de gente (2019), ambos com o parceiro também violonista Eduardo Pinheiro. O compositor explica sua motivação artística:


A música que eu faço tem linhas melódicas que acontecem simultaneamente, dialogando ao mesmo tempo. Por isso, penso que são como cabeças que falam e pensam juntas, em camadas. O disco é bastante denso nesse sentido. Tem uma sonoridade e uma instrumentação densas. Há o quarteto de cordas, mas também muita percussão, com uma rítmica complexa que dialoga com os demais instrumentos”.


O resultado é a união da sutileza da música de câmara à pulsação brasileira. Com destaque às quatro cordas femininas, que costuram grande parte das faixas e dá identidade ao trabalho. Mulheres instrumentistas, aliás, ocupam um papel sonoro que compõem uma espécie de “trama” nas canções. São elas, Alina Gropper (violino), Anna von Koch (violoncelo) e Maline.


Em outras faixas, há também o toque feminino no baixo de Valentina Solis com a percussão do amigo da infância tiradentina de Juliano, Yuri Vellasco. São cerca de trinta músicos que ajudam dar vida a inspiração mineira ao lado do aprendizado em terras germânicas, onde o músico chegou há 9 anos para fazer um mestrado.


A soma


Maline, antes de conhecer Juliano, tinha uma relação com a música brasileira bem distante. “Eu só tinha tido encontros muito superficiais, momentos que passaram de leve, nada que realmente tivesse profundidade”. A aproximação verdadeira começou quando percebeu que a música brasileira se expressa por meio da vida cotidiana.


Para a violinista, os ritmos brasileiros transformam cenas simples em narrativa sensível. “Às vezes percebo a música brasileira como um recorte de uma imagem, um instante congelado cheio de histórias. A cena simples de uma mulher vendendo cocos, disso nasce uma melodia, um texto que desenha um retrato profundamente emocional dessa mulher”. Com isso, diz, “o cotidiano ganha vida, torna-se humano, próximo”.


Nessa conversa de universos sonoros, Maline entende que o álbum de Juliano ajusta duas linguagens musicais:

imagem/Frame
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De um lado, há uma tradição que, na minha percepção, tende a buscar perfeição, clareza e até algo quase sobrenatural, um olhar que tenta captar grandes conexões e transformar a música em um espaço de conhecimento, às vezes até às custas do que é imediato, vivo e humano. Do outro lado, existe uma cultura musical que tira sua força das pessoas, da natureza, da vida pulsante, música como extensão direta da respiração, do movimento, do cotidiano e da comunidade. Uma música tão honesta e profundamente humana que carrega uma intensidade capaz de nos tocar no mais íntimo.


Sobre o processo criativo, ela identifica características híbridas. “Estrutura clássica encontra espontaneidade intuitiva, disciplina encontra calor, busca por compreensão encontra corporalidade imediata”, explica. No entanto, apesar de sentir uma mudança na sua forma de tocar, ela admite só poder falar com certo distanciamento.


No momento, ainda muito tocada tanto pela chegada recente da segunda filha quanto o lançamento do álbum, ela está em estado de criação ampliada. “Sinto como se não tivéssemos vivido apenas uma gravidez, mas como se estivéssemos passando, como família, por uma espécie de gravidez múltipla, que se reformula o tempo todo”, justifica. Ela define esse processo como “um constante dar à luz, da nossa segunda filha, de projetos do coração, de novos modos de viver e até de novas versões de nós mesmos”.


Ao refletir sobre essa fase, ela conclui que aprendeu a viver de forma mais entregue. “A vida mais plena para mim é aquela em que eu sigo adiante não com um pé no fluxo da vida e o outro parado na margem, mas me atiro inteira, com o corpo todo, nessas águas, como se vivesse cinco gestações ao mesmo tempo”. E finaliza: “Eu me sinto exatamente assim. Um pouco selvagem, imprevisível, livre, cheia de desejo, às vezes cansada ou até perdida, mas, acima de tudo, colorida, vibrante e profundamente viva”.


Constelações sonoras e coloridas


Foto da Capa do CD
Foto da Capa do CD

Além da alemã, o trabalho reúne músicos de diferentes cantos: Argentina, Sul do Brasil, Minas, Rio. As gravações aconteceram à distância e também num estúdio. Mas o resultado soa íntimo, quase doméstico, como quem grava com amigos. Isso se deve talvez à experiência presencial na Alemanha, um capítulo, aliás, memorável desta história.


A gente passou cerca de cinco dias intensos trabalhando no estúdio, completamente imersos, no meio da floresta. É um estúdio em um sítio e tem um formato oval, todo cercado por vidros. Você olha ao redor e vê a mata em 360 graus. A atmosfera influencia diretamente a música, parece que a natureza participa da gravação. Outro ponto especial é que conseguimos gravar simultaneamente, algo que nem sempre é possível em estúdio. Muitas vezes, a gravação acontece por partes. Cada músico grava separado, em momentos diferentes. Lá não. Tínhamos várias salas conectadas: uma só para o quarteto de cordas, outra para mim, outra para o Yuri com a bateria, e outra para os sopros. Tocamos juntos, em tempo real”, lembra Juliano emocionado.


Entre um trecho e outro do álbum, Juliano se reconhece como esse “arquiteto do som” que nasceu desenhando ritmos da chuva no telhado da cozinha. Agora, ele constrói pontes sonoras entre cidades, gerações e gêneros musicais. “A música tem isso do encontro, né? Tem essa coisa agregadora. Todo mundo sabe de todo mundo. ”, afirma divertindo-se.


E, de fato! Entre festivais, semanas de cavaquinho e encontros entre Alemanha e Brasil, os laços de amizade musical e romântica vão se formando e transformam a expressão do sentimento na obra sólida, pronta para tocar as mais diversas pessoas e compor a trilha sonora da vida.



Os shows de lançamento do álbum ainda estão sem data definida, mas as músicas já estão em todas as plataformas digitais. O CD físico pode ser adquirido diretamente com Juliano (instagram e whatsapp) ou pelo site www.julianocamara.com


Whatsapp: +49 177 5113401

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