A cozinheira está nua!
- Daniela Mendes
- 27 de mai. de 2021
- 10 min de leitura
Atualizado: 9 de jun.
Tanea Romão conta como foi expor a cozinha dela totalmente no reality Pesadelo na Cozinha, com Erick Jacquin, e ainda nos presenteia com uma receita de bolo de mandioca!

Que pesadelo horrível é sonhar que, de uma hora pra outra, sem se saber porque, se está nua no meio de um monte de gente, não é mesmo? Mas Tanea Romão não sonhou isso, ela permitiu desnudar a cozinha dela quando decidiu participar do programa “Pesadelo na Cozinha”, apresentado pelo chef celebridade, o francês Erick Jacquin, na rede Bandeirantes no mês passado. E garante: não foi uma tormenta.
O que nos leva a questionar: por que uma cozinheira com o currículo de Romão se sujeitaria a participar de um programa com esta proposta? E como funciona participar de um reality de TV? Por que as pessoas decidem expor dessa forma suas vidas? Diante de nossas inquietações, Tanea Romão nos deu a primeira dica: “O reality imita a vida”.
O contrato com a emissora não permite que ela responda as muitas perguntas que tínhamos sobre os bastidores. Fizemos até uma listinha com as curiosidades mais comuns de todo mundo. Mas o papo tomou um rumo diferente, mais profundo e afetuoso. Tão necessário quanto nossas curiosidades.
E de fato essa disposição foi notada por um expectador, que fez o seguinte comentário no canal do youtube onde o programa fica salvo: “A Tanea foi a única participante que tinha gabarito pra ser totalmente bolada com as críticas do Jacquin e foi a única que teve a maior humildade do mundo para aceitar as críticas e melhorar. Essa mulher merece o mundo!”
Brilho de estrelas.
O expectador estava se referindo ao currículo de Tanea Romão. Algo extenso que vai desde a participação da cozinheira no reality de culinária “The Taste”, em 2019, hoje apresentado pelos chefs estrelados André Mifano, Claude Troisgros, Felipe Bronze e Helena Rizzo. Até às estrelas que ganhou do Guia 4 Rodas.
"Tudo que te protege também pode sufocar. Então você tem que estar muito focado". Tanea Romão
Em Gonçalves, na Serra da Mantiqueira, ela ficou de 2009 a 2012 e lá ganhou sua primeira estrela. No ano que ia ganhar mais uma do Guia 4 Rodas, resolveu vir para Tiradentes e perdeu o selo dado aos restaurantes que se destacam no Brasil. Mas, no ano seguinte, 2013, aqui em Tiradentes (Microrregião das Vertentes) já estabelecida no bairro Cascalho, recuperou essa estrela somando duas no currículo por fim.
Não demorou e ela já estava classificada entre os cinquenta melhores restaurantes do Brasil segundo o mesmo Guia 4 Rodas, fazendo arroz com feijão, como gosta de brincar. “Eu não tinha pratos tão elaborados. O mais legal era estar entre os cinquenta servindo o que eu servia”, lembra sorrindo.

Viver entre montanhas é perigoso
Tiradentes deu muito certo. Tanea Romão ganhou projeção nacional no meio gastronômico, ela tem paixão pela cidade, mas faz uma revelação incrível: viver entre montanhas também é perigoso. “As montanhas te protegem mas elas te sufocam. Tudo que te protege também pode sufocar. Então você tem que estar muito focado”, explica a descoberta.
Esta conclusão faria a cozinheira se mudar novamente. “Você tem que estar muito centrado para viver numa cidade como Tiradentes. Eu digo, Tiradentes é a cidade que eu vou morrer. Mas não dava pra viver aí como a pessoa que eu era. Muita informação. Muito sucesso. Muita mídia. Muita exposição. E se você não tiver um equilíbrio muito grande, isso não é legal”, avalia.
Depois de Tiradentes, o projeto era fazer pesquisa, um outro tipo de trabalho. Quando voltou pra São Paulo começou a dar consultorias e engajou em outros projetos. Tudo dentro do imaginado, mas ela começou a sentir saudade de ter o próprio fogão. Então pensou em fazer um restaurante no estilo a pessoa vai na casa dela comer, bem caseiro.
Logo viu, no entanto, que isso só é bonito na teoria. Ela precisava de equipamentos pra fazer isso. No meio da experiência começou a se sentir meio perdida. Entre oferecer para o cliente uma experiência informal e aconchegante, batia na barreira de um profissionalismo do qual estava cansada. Apostar na simplicidade sempre foi sua especialidade, uma espécie de dom, sentia que o problema não podia ser este.
Então, na busca de uma resposta, entrou para o reality show. “Eu precisava me desnudar”, explica Tanea Romão. E foi o que ela fez, só que para todo Brasil via TV aberta. Depois de toda experiência com exposição midiática anterior, ela se sentiu preparada para encarar mais este desafio. Precisava disso.
É cor de rosa-shock!

O que achamos interessante é que Tanea Romão sempre teve uma relação de aprendizagem com a televisão. Ela começou a cozinhar desde pequena em São Paulo, sua cidade natal. Colocava um banquinho para dar altura no fogão e realizava muitas receitas que tirava do programa matutino TV Mulher, voltado para o público feminino e apresentado pela jornalista Marília Gabriela e Ney Gonçalves Dias, entre os anos de 1980 e 1986.
Filha mais velha de três irmãos, aos oito anos, morava com a mãe e a avó muito doente. Esperava ávida pela hora da receita no programa. Uma seção de culinária chamada de Panela no Fogo, apresentada por Marilu Torres Travesso. Anotava os ingredientes, pedia dinheiro pra mãe, comprava ela mesma os insumos e se lançava na aventura de reproduzir o que tinha aprendido. Um dom que não poderia imaginar que seria encarado como uma profissão.
A explicação disso se confunde com a própria história da gastronomia feminina no Brasil. “Cozinheiros não tinham esse glamour, vistos como uma celebridade como hoje. Então você imagina: mulher, preta na cozinha. Jamais! Isso era para a minha tia que não tinha estudado e era cozinheira numa fábrica de óculos. Sabe assim? Jamais! Vai estudar, vai fazer coisas, trabalhar no escritório ou no banco”, recorda como se evocasse imagens para si mesma.
Pesadelo na Cozinha
O programa foi feito em março do ano passado. Por aí a gente vê o quanto de tempo que leva para ser exibida uma produção desta desde a gravação. “Era um momento bem delicado. Era um momento em que eu estava muito cansada, cansada de fazer as coisas sozinha...”, relembra. Era também a época que antecedia em poucos dias as primeiras medidas de isolamento contra a pandemia de Covid-19, com mais de um ano de crise sanitária mundial.
“Eu gosto de gente. E se for para as pessoas entrarem na minha casa e não ultrapassarem a barreira de vidro, eu vou fazer outra coisa da minha vida”, Tanea Romão.
Tanea não contou nem se foi convidada, nem se precisou fazer uma inscrição devido ao contrato de sigilo. Mas nos disse que foi uma decisão refletida. O diretor deixou bem claro para ela que suas fragilidades seriam todas expostas. “Você tem certeza que quer assinar esse contrato? Você vai descer no inferno e dançar com o capeta”, lembra a cozinheira a maneira que ele a advertiu.
A casa toda virou um “big brother”, na comparação dela. Tinha câmera em absolutamente todos os lugares, descreveu o ambiente. Para Romão, o The Taste já tinha sido uma escola e ela estava muito consciente do que havia escolhido. “Gente, você tem que entender o seguinte. Aquilo é um reality. Um reality tem que ter assunto. As pessoas querem ver sangue e lágrimas”, brinca.
Romão é sempre muito risonha e talvez seu bom humor tenha ajudado a ela encarar o desafio que teve momentos de muita tensão. “Participar de um reality é uma coisa muito doida, porque você está naquilo... Você esquece as câmeras e tem uma pressão que as pessoas vão colocando. Você não pode estar calmo. Você tem que estar pilhado. Esse é o objetivo de um programa desse tipo”, entrega.
Não foi apenas uma vez que ela elogiou a equipe. Foram várias vezes durante a entrevista que ela ressaltou a forma carinhosa em que foi tratada. “Todos os profissionais foram muito respeitosos. O programa foi diferente de todos que eles apresentaram. Não teve gritaria comigo”, ressalta.

Informalidade e profissionalismo
A tentativa de manter a relação íntima com clientes e vizinhos na cidade grande, a mesma que tinha no interior de Minas Gerais, pegou mal com Jacquin, que detectou falta de profissionalismo. Um bom exemplo se mostrou no arranjo dela para anotar pedidos a partir do nome dos clientes.
Nos dias de gravação, tinha pelo menos setenta pessoas que foram ao então Kitanda pela primeira vez ao mesmo tempo, segundo a cozinheira calculou. Não eram clientes habituais. Houve muita confusão entre os garçons. Já que o controle era feito pelo nome das pessoas que pediam.
"A gente não delega porque é inseguro e tem medo do outro apresentar os erros da gente. A gente é arrogante. A gente é Deus. E a gente acha que faz a perfeição. A gente acha que o outro não vai saber fazer aquilo", Tanea Romão.
Num dado momento, uma cliente chegou a entrar na cozinha para solicitar alguma coisa e o chef francês ficou indignado e deu uma bronca. Mas Tanea recebeu as críticas com humildade. Não só neste momento, mas em vários outros durante todo o programa.
Contudo, Tanea reitera seu estilo de trabalhar. “Eu gosto de gente. E se for para as pessoas entrarem na minha casa e não ultrapassarem a barreira de vidro, eu vou fazer outra coisa da minha vida”.
Desde 2016, ela mantém o restaurante na sua casa. Assim, pode saber de cada peculiaridade de cada freguês que lá frequenta. De forma que o que a intriga ela resume da seguinte forma: “Então é assim: como ter afeto e como ter profissionalismo. Porque isso é importante também”, admite.
Tanea sempre quis uma casa que fosse diferente dos treinamentos que dá e onde confessa ser muito dura. Queria quebrar a rigidez dos contratos, ter um atendimento mais humanizado. Mas entre o querer e realizar estava perdida. Apostou na humildade para se encontrar e começou a ter um olhar crítico sobre o próprio desejo.
- Isso também é arrogância... Dizer: eu vou ser tão fodona que eu vou fazer diferente... Tem coisas que já fizeram antes da gente e a gente precisa respeitar isso. Para ela, equilibrar o profissionalismo com a informalidade é o caminho do meio. É, agora, seu desafio. “É muito difícil trabalhar com liberdade. Muito difícil. O que a gente quer de liberdade o outro, às vezes, não aprendeu a trabalhar ali”, revela.
Se você não sabe, vai aprender.

Uma personagem coadjuvante se destacou no programa também. Fisicamente parecida com a Macabéa, interpretada por Marcélia Cartaxo no filme “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral, Maria não imaginava que teria um papel maior ali. Até antes do programa, ela apenas lavava a louça. Hoje, Tanea lembra admirada o chef Jacquim delegando tarefas para sua ajudante.
Meio a uma crise na cozinha, o francês perguntou com seu sotaque e tom de reprimenda para a funcionária de Tanea: “Por que você não vai montar um prato, Maria?” E ela respondeu “não sei”. E Jacquin pergunta novamente: “O que você está fazendo aqui?", ao que ele mesmo respondeu intimando uma posição: “Se você não sabe, vai aprender”.
A partir desse momento a "lavadeira de louça", Maria, passa a montar os pratos que Tanea Romão cozinhava junto com o chef. E, esse episódio, serviu para a cozinheira entender que ensinar também era uma forma de confiança. E que confiança, por sua vez, incluía delegar. “Ai que lindo todo meu discurso”, se auto ironiza e completa: “Confiança é você entregar para o outro”, conclui.

Um dia, já este ano, Tanea lembra que a mãe passou na sua casa, que é onde funciona o restaurante. (A cozinheira não sentiu ainda segurança para abrir após a reforma do reality, por conta da pandemia, mas trabalha com marmitas). Romão serviu um prato para a mãe e disse que esta comeu e não percebeu a diferença do tempero da comida preparada por Maria.
Foi quando concluiu: “Ela pegou meu tempero essa menina [Maria]. Ela está cada dia mais incrível. A gente não delega porque é inseguro e tem medo do outro apresentar os erros da gente. A gente é arrogante. A gente é Deus. E a gente acha que faz a perfeição. A gente acha que o outro não vai saber fazer aquilo”. Mas agora Tanea sabe que o outro pode fazer e aprendeu a delegar.
O mais interessante é que Romão sempre falou isso mas só percebeu na experiência do programa, ao que ressalta, como se fosse uma lição dentro da outra: “O grande aprendizado é o discurso ser coerente com a ação”.
O que não encara como tarefa fácil. Para ela, não é tão óbvio as pessoas enxergarem as incoerências e essa é a importância desse se abrir ao olhar do outro. Por isso o programa foi tão importante.
Nem toda nudez será castigada
Há um ano antes, a arrogância de Tanea jamais a permitiria participar do programa, não estava preparada. A tal ponto que diz que aceitar as críticas seria impossível. “Foi um pedido de ajuda. Eu tenho que aprender a ouvir e me preparei para isso”, revela.
Nas imagens acima, fotos do interior do restaurante reformado pelo reality com produtos que Tanea Romão faz. Ela começou na cozinha fazendo geleias. Hoje também produz embutidos e conservas.
Foram 12 anos muito difíceis financeiramente. Teve medo de abrir mão do antigo nome Kitanda. Não sabia deixar ir e reconhecer um novo tempo. Embora se considere uma pessoa materialmente desapegada. Lembra que saiu de Tiradentes só com a bicicleta e alguns livros num caminhão. Mas alguma coisa do passado ficou retida dentro dela e a impedia de seguir.
Depois de tudo experimentado, vivido e aprendido na frente das câmeras, ela ainda teve medo. O programa poderia dar uma imagem horrível do seu trabalho. Chegou até cogitar não mostra-lo nas suas redes sociais. Mas, no final, percebeu que participar do reality foi uma conquista e mudança no modo dela encarar seu empreendimento e a si mesma. “Eles não erotizaram minha nudez. Eu pude ficar nua”, explica numa metáfora.
Lembra também que um dos motivos dela sair de Tiradentes, onde viveu o auge da carreira, é que não estava dando conta do próprio ego. “É muito difícil viver em lugares egóicos, em lugares que a mídia enaltece isso”, revela. Mas no reality sua experiência foi diferente. É uma forma de se mostrar diferente, mais humana e chamar as pessoas à proximidade na mesa.
Pandemia
Quando perguntamos da pandemia, da ansiedade de abrir o restaurante totalmente novo, agora “Casa de Tanea”, ela responde com seriedade uma reflexão social: “É muito complicado voltar pro mapa da fome. Não tinha gente na rua pedindo comida no bairro classe média onde moro”. E revela que anda fazendo marmitas para vender e reserva outras para distribuir por caridade para algumas pessoas.

O governo de São Paulo fechou e abriu algumas vezes mas ela não se sentiu à vontade para abrir em nenhuma das investidas. “Eu falo que virei tia da cantina”, diz e retorna o sorriso para o rosto. Ela faz coxinha, empada e quitudes na medida que as pessoas encomendam. Está com um cardápio 'caseiríssimo', próprio para o home office e só tem Maria como funcionária e fiel escudeira.
Tem sido um trabalho afetuoso e apesar de toda a situação mundial, encontrou certa alegria. Não quis abrir o restaurante arriscando infectar os clientes. Mesmo porque a “Casa de Tanea” não tem espaço para uma abertura com distanciamento adequado. Tudo ali foi feito para o contrário da atual situação: aproximar as pessoas.
Contudo, muito apaixonada pela cozinha, consegue ver um ponto positivo nessa situação: está mais íntima do paladar de cada cliente, podendo atendê-los de forma mais individual.
Está decidida e acredita em tempos melhores: “Eu esperei até agora e vou esperar mais tempo”. Afinal, a espera e a esperança são da mesma família, não é mesmo?












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