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E daí a COP 30?

Quem mais sofre as consequências de políticas que travam a história e ameaçam a vida na Terra não tem tempo para performar mitos de um país desigual. Elas ainda estão em marcha!


Marcha das Mulheres Negras/ Foto: Daniela Mendes
Marcha das Mulheres Negras/ Foto: Daniela Mendes

Quando o meio ambiente entra em pauta, assuntos como o fim dos combustíveis fósseis ou a reversão do desmatamento, escancaram os limites das Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas COPs. Estamos falando de processos que dependem de consenso entre quase 200 países e a presença maciça do lobby sorrateiro de empresas que dominam os governos que mais contribuem com a destruição da camada de ozônio.


As negociações dificilmente conseguem avançar sobre o que afeta diretamente interesses econômicos. Por isso, o debate sobre combustíveis fósseis ficou por aí, no blá blá blá da política, dividiu países, travou negociações e terminou fora do documento final. O resultado foi um sucesso para quem não acredita no aquecimento global e não se importa com quem mais sente a destruição do meio ambiente, a saber pessoas negras (pretas, pardas e povos originários)


Comemorando com farelos


Mas segundo a diretora Executiva da COP30, Ana Toni, isso foi um avanço, como disse no podcast Bom Dia Fim do Mundo. No programa, ela aplaude o fato do presidente Lula lançar o apelo pelo chamado “mapa do caminho” para a transição dos combustíveis fósseis. Pois, o assunto que se quer estava na agenda oficial, cresceu ao longo da conferência a ponto de formar uma coalizão inédita de países, segundo ela.


Toni acredita que este movimento abriu espaço para algo “novo”. A saber, a construção, ao longo do ano, de um processo paralelo, multilateral, técnico e político, que vai organizar um debate que até então era “disperso”.


Para ela, a iniciativa reunirá governos, agências internacionais, sociedade civil, produtores e consumidores de petróleo, inclusive a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP. Ou seja, ela realmente acredita que “essa gente” irá propor estratégias realistas, regionais e diferenciadas para essa transição. Ou seja: nessa lógica se não houve acordo formal, houve pelo menos a performance de uma gestação de um "novo" caminho político.


A resposta está nas principais atingidas./ Foto: Daniela Mendes
A resposta está nas principais atingidas./ Foto: Daniela Mendes

Risos de nervoso, pois são políticas que literalmente cozinham a população ao ignorá-las.


As residências em áreas úmidas da Amazônia chegam à temperatura interna máxima de até 40 graus C enquanto os governantes ainda estão "organizando os papéis"! Isso só para dar um exemplo mínimo diante de tantas contradições.


A lógica perversa que vidas são medidas em dinheiro.


Até as florestas ficaram fora das negociações. E nessa toada, desse jeito, talvez até tenha sido melhor. A comemoração iludida a este respeito é apenas sobre o Tropical Forest Forever Facility, traduzido Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF). Proposto pelo Brasil na cúpula climática realizada nos Emirados Árabes Unidos (COP 28), visa remunerar países tropicais pela conservação da floresta em pé.


Ao pagar por área conservada, o TFFF, reduz a questão da preservação de florestas em moeda. Quando a maior dificuldade é justamente fazer as pessoas entenderem que a vida do planeta é inegociável. Me lembrou a época da COVID e explica porque é tão difícil fazer as pessoas entenderem que vidas humanas importam mais que a economia.


Isso só prova que o sistema não é capaz de lidar com a destruição de suas reservas naturais e que as COPs não respondem à complexidade do problema.


O bem viver é sobre aquecimento climático também/Foto: Daniela Mendes
O bem viver é sobre aquecimento climático também/Foto: Daniela Mendes

Cosmovisão, eles disseram.


Comemora-se também a participação dos povos indígenas e tradicionais, não apenas como símbolos, mas como protagonistas. E embora Toni afirme que os protestos feitos ali trouxeram uma “cosmovisão para o debate”, o fato é que o governo Lula ignora os apelos de lideranças indígenas para não privatizar três hidrovias da Amazônia. Que protagonismo?


No fim de agosto, Lula assinou o decreto nº 12.600 e avançou uma etapa no processo de implementação da nova política de concessões dos rios do país para o mercado, começando pela região amazônica.  O texto incluiu as hidrovias dos rios Tapajós e Tocantins, no Pará, e Madeira, no Amazonas e Rondônia, no Programa Nacional de Desestatização (PND). A única “cosmovisão” que interfere no debate aqui é a aquela que cega, a do mercado, pelo jeito!


Estamos falando de mais de 3 mil quilômetros de trechos navegáveis dos rios amazônicos entregues para a iniciativa privada para atender aos interesses do agronegócio e de outros setores econômicos. Isto mesmo que você está lendo: passando por cima de direitos indígenas. É esse o governo que quer liderar as negociações da COP?


Lula não ouviu os povos do rio Tapajós, nem fez um projeto pensado para eles, mas para a soja, para as grandes transportadoras mundiais. É um desenvolvimento sem a participação dos ribeirinhos, dos pescadores e dos indígenas. E ainda afeta o que é mais sagrado para estes povos, os rios. Leia aqui.


É preciso escutar de verdade os povos originários/ Foto: Daniela Mendes
É preciso escutar de verdade os povos originários/ Foto: Daniela Mendes

Ei Lula! Quem é seu aliado, afinal?


Ainda hoje o Senado derrubou os vetos presidenciais ao projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Um retrocesso significativo na proteção da fauna, flora e rios do Brasil. A decisão restabelece dispositivos que flexibilizam o licenciamento ambiental, permitindo que muitos empreendimentos sejam aprovados com menos rigor.


É preciso lembrar o absurdo do chamado autolicenciamento, que segundo o texto, empresas podem obter licenças com base apenas em declarações, sem estudos aprofundados de impacto ambiental. Com isso, abrem-se brechas para acelerar obras e atividades que podem causar danos sérios aos ecossistemas, especialmente em áreas sensíveis como a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica.


Outro ponto preocupante é que a derrubada dos vetos enfraquece a proteção de biomas nativos, permitindo maior flexibilização para supressão de vegetação, o que favorece desmatamentos em áreas que antes tinham salvaguardas mais rígidas.


Ao mesmo tempo, a legislação passa a reduzir a participação de órgãos federais e entidades de defesa dos povos indígenas no processo de licenciamento, especialmente em territórios ainda não regularizados, uma medida que ameaça diretamente 297 territórios indígenas, segundo a Funai, e aumenta o risco de conflitos e violações de direitos humanos.


Essa flexibilização também gera insegurança jurídica, pois transfere aos estados e municípios a responsabilidade por definir regras de licenciamento, fragmentando os padrões nacionais e enfraquecendo a governança ambiental. Ao diminuir o papel técnico e fiscalizador da União, cria-se um cenário onde interesses econômicos locais podem se sobrepor à proteção ambiental, comprometendo o controle de impactos e a fiscalização de obras e atividades de risco.


E aí entra a política tão exaltada por Toni. Para confrontar o protagonismo de Lula, além de seguir os ditames do agronegócio, o senado prejudica o povo brasileiro e destrói nosso maior patrimônio. A medida enfraquece os compromissos climáticos internacionais assumidos pelo governo e afeta a credibilidade nacional. Podendo, inclusive, até comprometer metas de redução de emissões e preservação da biodiversidade, conforme advertências de especialistas.


Se nem o Brasil está unido, como unirá outras nações? A derrubada dos vetos ocorre, inclusive, em um momento politicamente sensível, sendo caracterizada como uma derrota para o governo nas tentativas de manter padrões mínimos de proteção ambiental. Quem se abaixa muito, dizem, mostra a bunda. É o preço que Lula paga por crer numa conciliação baseada em interesses econômicos e não humanos.


Marcha das Mulheres Negras/Foto: Daniela Mendes
Marcha das Mulheres Negras/Foto: Daniela Mendes

Basta de performar, a hora é de fortalecer as ruas.


O documento final da COP30 é pastiche de uma mudança que está longe de acontecer. Enquanto caras pálidas comemoram a “organização” de debates que nunca haviam sido estruturados, os povos tradicionais e negro (pretos e pardos) entendem que, na prática, não têm aliados e o caldeirão do planeta esquenta.


A gente precisa parar de se iludir com performances e começar a buscar soluções de fato. Isso ficou muito claro na Marcha das Mulheres Negras em Brasília, no último dia 24. A esquerda branca está fazendo churrasco pra comemorar a prisão do Bolsonaro como se o Brasil, com a pena do ex-presidente, tivesse se transformado no paraíso na Terra.


Mas as mulheres negras continuam marchando porque são as que mais sentem o peso da realidade. Por isso, o saldo da COP30 ficou longe do esperado por entidades ligadas ao feminismo negro.


As metas para a redução do desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa no documento final da COP30 não são claras. Enquanto isso o racismo climático é acentuado. E as mulheres negras sofrem ainda mais com os efeitos da emergência climática. Elas somam 60,6 milhões de pessoas no país, quase 28% da população nacional, segundo dados do Ministério da Igualdade Racial.


Pessoas negras (pretas e pardas) representam 72,9% da população das favelas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, um relatório da ONG Habitat mostra que 66% dos moradores de áreas de risco são negros. Conforme o levantamento, cerca de 2 milhões de casas foram danificadas e 107 mil destruídas por desastres ambientais, entre 2013 e 2022 no Brasil.


Marcha das Mulheres negras. Foto: Daniela Mendes
Marcha das Mulheres negras. Foto: Daniela Mendes

Eventos como a COP30 e o irrisório local Fórum do Amanhã, que tem a pachorra de fazer uma mesa antipolarização com o deputado mineiro, que insistentemente vota contra as mulheres, o meio ambiente e trabalhadores sem nenhum participante contraditório, performam utopias que silenciam a realidade. Isso depois do maior genocídio já visto neste país. Não dá para se esperar muito destas iniciativas.


Mulheres Negras têm outras urgências que vão de encontro aos problemas ambientais e sociais de fato. para além da questão ambiental, temos a violência contra a mulher, a criminalização do aborto, a desigualdade salarial, genocídio e encarceramento da população negra, entre tantas outras questões.


Parte do Comitê Impulsionador da Marcha das Mulheres Negras no Campo das Vertentes./Foto: Daniela Mendes
Parte do Comitê Impulsionador da Marcha das Mulheres Negras no Campo das Vertentes./Foto: Daniela Mendes

É hora de começar a acordar do sonho conciliador e partir para o apoio real de aliados que realmente lutem por nossa existência. O Movimento Negro, o Comitê da Marcha das Mulheres Negras e o Fórum de Mulheres do Campo das Vertentes estão aí, para nos unir, organizar a luta em prol da justiça social e climática. É assim que faremos correr o carro da História, no país e em nosso território.

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