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Logo da criadora Daniela Mendes

Cinco Estados e o encanto de Tiradentes

Evento promoveu o encontro da cidade, região e Minas Gerais, com outros estados brasileiros tendo como tema o design, a arte, o artesanato e a arquitetura nacional.


Cortejo da Oficina de Tambor com Mestre Prego
Cortejo da Oficina de Tambor com Mestre Prego

A Semana Criativa de Tiradentes (SCT) tem uma característica inspiradora: ela entrega mais do que teoriza e mostra mais do que fala. Essa parte das palavras fica para cada participante. Artistas, designers, artesãos, bordadeiras, escultores e coletivos criativos, como as tecelãs do Muquém e as bordadeiras de Barra Longa, da Paraíba e do Pará, coloriram Tiradentes nestes quatro dias. Uma verdadeira viagem criativa, em todos os sentidos.


Estima-se, com base em números do ano anterior, que a cidade quase triplicou o número de visitantes em relação ao número de moradores. Até o fechamento dessa matéria, os dados de 2025 ainda não tinham sido divulgados.


Em nove anos de realização, a SCT já merece um livro robusto para catalogar tudo o que aconteceu por aqui (fica a dica). O festival promove o encontro de associações e coletivos da Região das Vertentes com experiências de diferentes partes do país, envolvendo secretarias de cultura e oferecendo ao visitante uma visão da diversidade cultural brasileira.


Esse ano, destacaram-se outros estados. A Casa Pará participou pela segunda vez com artistas e mestres de Abaetetuba, entre outros. A Casa Paraíba, com artesãos e grupos culturais. A Casa do Design Cearense, reuniu designers e artistas locais e as Bordadeiras de Regência e Povoação, representaram o Espírito Santo. Sem falar nos artistas e exposições locais.


Arte pelas praças


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No Largo das Mercês, bordadeiras de várias regiões de Minas Gerais apresentaram barracas bordadas, fruto de um projeto conduzido por Renato Imbroisi e Cristiana Barretto. Alguns temas mais centrados no cotidiano e cultura local, outros mais políticos apontando os abusos da mineração.


No Largo das Forras, praça central de Tiradentes, o designer André Ferri montou uma instalação imersiva que combina som e movimento. Foi uma verdadeira reflexão para a cidade a respeito da função de uma praça principal, tão acostumada a ser somente espaço de eventos e esquecendo o quanto ela é o coração simbólico e social da cidade. Mais do que palco para festas, a praça revelou com a instalação sua função esquecida: ser o coração vivo da vida tiradentina.



Foto/Paulina Ribeiro de Oliveira
Foto/Paulina Ribeiro de Oliveira

O Beco Zé Moura, um lugar de passagem, ganhou protagonismo com mobiliário urbano projetado pelos escritórios Zoom Arquitetura e Studio Brasileiro. Foi um convite para refletir sobre a memória dos caminhos antes percorridos por pessoas escravizadas e também sobre o tempo de descanso num mundo em que as pessoas não param.


No Largo do Chafariz, se concentrou o Espaço Festivo, a Casa Coral, o Mercado Criativo e a exposição do homenageado, o artista popular Fábio Francino, que representou a beleza e o colorido do artesanato de Bichinho, distrito de Prados (MG), decodificando as cores do circo e das artes dramáticas com papel machê.



Ocupando casarões


No Porão da Vila Matriz as exposições imersivas.
No Porão da Vila Matriz as exposições imersivas.

No espaço de exposição do casarão onde hoje funciona o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional foi montada uma exposição sobre Benzedeiras do Jequitinhonha com imagens de puro afeto. São fotos de Lori Figueiró com intervenção da bordadeira, aquarelista e quilombola Aline Gomez Ruas.


O Museu Padre Toledo trouxe no porão, um jardim de flores iluminadas assinado por Pietro Oliveira. E o jardim externo comportou a instalação do artista plástico Francisco Nuk.


Na varanda da Câmara Municipal, uma instalação têxtil reutilizou ourelas da indústria para criar uma poética imersão em águas imaginárias, livres de resíduos.


Pela segunda vez na cidade, quem imaginaria este caso de amor e identidade entre o Pará e Tiradentes? Na mansão da Vila Matriz, mais uma vez o Estado veio com toda a força da sua cultura e da sua arte. E de forma tão singela e poderosa que nos faz repensar nossa brasilidade.


E no Instituto Rouanet foi tomado por crochê e raízes que se entrelaçavam em objetos de madeira e cerâmica, simbolizando ancestralidade e a força coletiva do fazer manual numa instalação de Marcus Camargo com Associação Mulheres Coralinas.


Mas o grande marco desta edição é a abertura da Escola da SCT, localizada no distrito rural da Caixa D’Água da Esperança. Após três anos de obras, o espaço será inaugurado como um centro de formação e inovação nos ofícios manuais, consolidando-se como um dos legados mais relevantes da Semana Criativa. E que por isso ganha outra matéria dessa revista em especial e separado em breve.


A importância do olhar de quem não está de passagem


Quem idealiza e realiza tudo isso é a Semana Criativa de Tiradentes Bureau, nas pessoas dos moradores da cidade, Simone Quintas e Júnior Guimarães. Ela, uma jornalista paulistana que se apaixonou e adotou Tiradentes como casa. Ele, um produtor cultural sanjoanense, sensível conhecedor da gente destas terras do Campo das Vertentes. Essa união é o que reflete e dá o diferencial à organização do festival.


A gente sempre pensou a Semana Criativa com esse olhar de proporcionar uma experiência real às pessoas. Que ninguém viesse aqui e fosse embora sem ser impactado de alguma maneira. Queríamos que cada visitante voltasse para casa com a sensação de ter vivido algo inesquecível”, explica Simone.


Para ela, o que aconteceu neste ano é que essas experiências cresceram. “Colocamos mais foco nas instalações interativas e, principalmente, nas relações afetivas. O Cortejo de Encantarias, criado pelo Demóstenes, Nado, Chico Aníbal e Valéria, foi um dos momentos mais emocionantes. Para quem vive em Tiradentes, os cortejos fazem parte da rotina, mas o festival recebe gente de todo o Brasil. Então, para muita gente, foi um resgate de afetos, de tradições e de coisas que se perderam nas grandes cidades. E outras que nem precisam ser tão grandes assim para perderem esses costumes”.


Simone pensa a SCT como uma experiência contínua de reconexão. “Um resgate de memórias, de gestos e de sentimentos que lembram o que a gente viveu na infância e que, de alguma forma, continuam nos guiando”.


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Para Júnior, as intervenções urbanas tornaram o festival mais democrático. Antes, o público era formado principalmente por quem já se interessava pelo conteúdo da SCT ou por quem estava diretamente envolvido, como os artesãos e suas famílias. Mas as ações, especialmente o mobiliário urbano instalado no beco do Zé Moura e no largo das Forras, fizeram com que qualquer pessoa fosse atravessada por essa experiência.


As pessoas usavam o mobiliário o tempo todo, sentavam nos bancos, brincavam nos balanços, descansavam. Vi muitas famílias e crianças ocupando o espaço, e isso trouxe algo que chamamos de “pertencimento”. Talvez nem sempre a gente saiba o que exatamente significa pertencer, mas as pessoas começaram a viver a praça. Para mim, essa foi uma das ações mais importantes do festival”, confessa Júnior.


E está posto o diferencial. O festival consolidou-se como um espaço de diálogo entre o Brasil urbano e o Brasil rural. Essa mistura gera colaborações que ultrapassam os dias de evento e reverberam em novos projetos, produtos e narrativas.


Desenvolvimento criativo o ano todo com gente nossa


Além das instalações que uniram saberes manuais e design contemporâneo, a programação trouxe conversas que ampliaram repertórios, oficinas que convidaram à prática, shows e espetáculos de dança que celebraram a música brasileira, e passeios guiados que revelaram Tiradentes sob novas perspectivas.


Durante todo o ano, como aconteceu em outras edições, arquitetos e designers de renome nacional fazem uma imersão criativa na cidade com artesãos e trocam seus diferentes saberes. Participaram da nona edição os designers Ana Vaz, Bruno Niz, Igor Sabá, Stephanie Ribeiro e Estevão Toledo, ao lado de nomes e coletivos como o Coletivo Construindo Sonhos (bordadeiras de César de Pina), as Ceramistas do Elvas, o cuteleiro Bruno Timochenco, o escultor Michael Ferreira, o marceneiro Beto Romero e a tecelã Silvânia Mendonça Machado.


Foto/Paulina Ribeiro de Oliveira
Foto/Paulina Ribeiro de Oliveira

Os resultados dessas colaborações foram expostos na principal exposição do evento no Centro Cultural Yves Alves, que teve sua escadaria pintada com motivos de chita. Além de também expor a instalação “Sombrear”, das ceramistas tiradentinas Tereza Portugal, Sônia Úrsula e Ana Sobral do coletivo Mulheres Criativas, que num total de 11, criaram folhas de cerâmica para uma instalação que fala de autonomia, autoestima e transformação social através do artesanal.


Pequenas iniciativas do festival também fazem toda a diferença numa cidade que enfrenta desafios com o descarte de lixo. Por isso, a SCT criou pontos de hidratação com água gratuita e distribuiu lindos copos do festival para serem guardados como lembrança e incentivar hábitos sustentáveis. Além disso, reciclou garrafas de cerveja e vinho do Espaço Festivo, revertendo a venda do material para o abrigo de idosos da cidade.


Como Tiradentes tem poucos locais permitidos para estacionar, a SCT também promoveu o uso do transporte coletivo local, que não existe regularmente, e organizou um sistema gratuito de vans. A iniciativa estimulou os visitantes a circular a pé e vivenciar a cidade de forma mais consciente, respeitando seus ritmos e suas ruas históricas. E assim o evento cumpre seu papel, provocar reflexões de ideias criativas para que o turismo seja mais sustentável, bonito e cultural.


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